15/03/2016

Uma bailarina nunca baixa os braços

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Era toda olhos e ar preso na garganta, quando me apareceu e me disse que o programa de desenho, onde tinha praticamente acabado um trabalho com prazo para dali a dois dias, tinha crashado e o documento tinha ido todo ao ar
- Chora, filha! — Implorei, por considerar que, nas lágrimas, se encontra a única lavagem de alma possível contra tristezas, injustiças e raivas. E este era caso para tanto, de todas elas. Mas a fibra dela pode não ser a minha, ou então eu também já fui assim e não me lembro. Era um olhar de cristal, aquele dela, duas pérolas negras a lutar contra uma adversidade com um tamanho tão maior do que o dela, menina que ficou pequenina, para sempre menina. 
Não houve truque, recurso a oráculos, programa de recuperação, mezinha nem reza que recuperassem o desenho, expressão de horas de esforço e empenho — e também de qualquer coisa de muito mais intangível, que são o talento e a dedicação empregues numa obra de arte. 
Mais à tarde, enviou-me uma mensagem, anunciando que tinha chegado ao ballet. E que já tinha o esboço de outro trabalho, desta vez elaborado numa plataforma diferente e, convenhamos, mais segura: papel, tão-só. E que, assim, iria apresentá-lo no dia em que o deveria fazer.
Pela segunda vez no mesmo dia me questionei se aquela fibra será a minha, que facilmente me derrubo e me encosto ao drama e ao luto, e levo cada vez mais tempo a acordar dos meus KOs. Ou então, eu também já fui assim e não me lembro.

* evidentemente roubada

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