09/06/2015

Junho

Todos os anos, ano após ano, um atrás do outro, de há duas décadas para cá — já são tantos que formam séculos e quase um milénio, se eu olhar para trás, mas não olho — entro em Junho e murcho, naturalmente, como os animais sem água — porque não quero comparar-me com uma flor. Os animais sem luz, assim sou eu em Junho.
Dói-me este mês, inteirinho, pelo que espero que passe, e venha o mês seguinte — Julho? — , um qualquer, rapidamente. Tem trinta dias, se tivesse trinta e um seria ainda maior, mais pesado e mais cruel. 
Já perdi demasiadas pessoas em Junho, ou, na verdade, perdi apenas uma, à qual não se aplica nenhum apenas, porque me era tão grande e me falta como me faltaria o coração se mo arrancassem pelas costas —, que é a única maneira de fazer sair um coração dorido do peito: é pelas costas. 
Dói-me que Junho me exista e que não possa saltar fora do meu calendário, por obra e graça de uma hibernação que sou incapaz de fazer. 
Dói-me que os dias de Junho sejam maiores do que os outros todos, e se mostrem ao mundo esplendorosos, ostensivos e ofuscantes. E também que nunca mais acabem. Nunca mais vão acabar, os Junhos todos da minha vida, e ainda me devem faltar uns quantos para atravessar sem paz.
Dói-me até sangrar, dói-me a carne viva de saber que não me despedi como deve ser, que é com beijos, abraços, palavras eternas e um sorriso inteiro. Despedi-me sem deve ser, e ficaram cacos por todo o lado, pelo chão, por mim afora, uma desarrumação que não mais consegui arrumar.

~
Às vezes, quando saio de casa e deixo trovoadas atrás de mim, ocorre-me uma parva do género,
E se eu não voltar?
ou outra parva parecida, 
E se eu não voltar inteira? 
Daqui a duas décadas, tantos séculos volvidos, alguém lamentará não se ter despedido de mim com beijos, abraços, palavras eternas e um sorriso inteiro?
Só se for em Junho.

8 comentários:

  1. Já tenho saudades de falar contigo, companheira :)
    Beijinhos

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    1. E eu contigo, companheira :)
      Ora aguarda ;)
      Beijinhos

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  2. Cara Linda,
    Li este post ontem, mas só hoje consegui comentar. Dizer-lhe que junho foi engolido pelo troar mudo de um trovão. Regressamos a sextilis. Avançámos para os cumprimentos sem despedidas. Até já. Em breve.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Caro Outro Ente,
      Obrigada.
      Tão luminoso que é Junho e, no entanto, tão trágico. Regressaria a sextilis tranquilamente, se me garantissem a saída destes dias dos rol dos 365. No dia em que deixar de ter Junhos, não mais haverá lugar a despedidas — quem sabe se não a reencontros, conforme prometido pelas escrituras?
      Por agora, e por enquanto, é um até já, sim.
      Um beijo para si,
      Linda Porca.

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  3. oda-se...
    a mim dói-me julho que foi quando chegou e dói-me setembro que foi quando partiu.
    como sara esta ferida?

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    1. Sara em cicatriz, firme e forte, só que, de vez em quando, dá sinal da sua existência. Mas deixa de ser uma ferida, acredita.
      Um beijinho, Ana Paula.

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    2. Quando deixa de ser ferida Linda??
      A mim parece-me que dói cada vez mais.
      É setembro... dói-me este mês, todos os dias.

      Um beijinho e um abraço

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    3. Oh, querida, deixa devagarinho, Setembro atrás de Setembro, cada um menos pesado e comprido do que o anterior. E também depende de nós, e das nossas "tábuas de salvação". Tu terás, com toda a certeza, as tuas: tão bonita, tão novinha, tão sensível. Dá tempo ao tempo e acredita que as dores vão embora. Só muito de vez em quando, mas muito mais brandas, é que vêm. Mas não ficam a atormentar-nos, como nesta fase que estás a viver agora.
      Força, linda.
      Beijinhos abraçados.

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