28/04/2015

Quando tudo te grita 'Não saias de casa!'

e tu, teimosa, até sais.
E entendes que deves deixar a tua pegada ecológica, e vais a pé.
É só até ao café, embora, nos dias que correm, ir ao café seja, no mínimo, a actividade lúdica mais perigosa que se pode praticar.
O café fica a escassos (adoro adjectivar com escassos quando vou falar de metros logo a seguir) cem metros de casa. E lá vais tu.

Logo que pisas a rua, apercebes-te de que a equação vestido não justo (ou seja, vestido injusto) mais meias altas mais vento tem, pelo menos, uma variável a mais. O vestido injusto faz a vontade ao vento, ou aos mirones involuntários - há uma cena, na Branca de Neve, assim, não há? Só olhos (assim era eu) -, criando-te uma situação profundamente injusta, só obedecendo ela a critérios mínimos de justiça aos olhos multiplicados que te acompanham pela rua.


Trauteias mentalmente uma coisa do final da tua infância, Lá no centro, larentro, da avenida, larida, o Pinóquio, laróquio, escorregou, larou, agarrou-se, larou-se, ao meu vestido, larido, nem uma prega, larega, me deixou, larou.

Vais nesta alegria esfusiante quando ainda és acometida por um ataque de tosse. Vês aproximar a vizinha do primeiro andar e, naqueles escassos - lá está - dez metros que te distam dela, ainda tens tempo para ter mais dois ataques de tosse - ou seja, se estiverdes atentos à matemática aqui implícita, um total de três acometimentos. E não é que, no momento em que se cruzam uma com a outra, ela te pergunta, não estupidamente, mas estupidificantemente: Está boa? 
Vá que respondes - Bem, muito obrigada, no exacto segundo em que te assalta o quarto ataque.

Já no café, apontas para um bolo que te parece um babá.
E ninguém te avisou que, se já tens uma homérica e histriónica dificuldade em fixar nomes de pessoas, ainda que se chamem Maria ou José, na matéria dos nomes dos bolos chumbaste em grande estilo e foste proibida de tentar a segunda época, por indecente e má figura na primeira e segunda chamadas.
- Isto é um babá?
Calavas-te aqui. Esperavas que o empregado respondesse mais do que aquele tímido Não. Ele, a seguir, ia dizer-te a verdade - que aquilo ali era um bom bocado
Mas tu não te cansas de fazer figuras. Além disso, Arroios também tinha uma maluquinha, e tu não moras em Arroios.
- Então é o quê, um bobó?
Vá, não perguntem por que é que soltei aquilo. Ainda me apetece vomitar, de cada vez que me lembro da cara do desgraçado. Nem quero saber onde é que ele vai passar esta noite. Eu não pago chiliques em hospitais.

Piora-me a situação o facto de ainda estar surda de um ouvido. Falo muito alto. Não é que eu dê por isso, mas as minhas companhias queixam-se.
Na verdade, gritei - UM BOBÓ. 
Mas pronto. A história podia acabar aqui. The end, já chega. 
Isso só é possível com uma pessoa, digamos, comum, que tem o azar de cometer uma gaffe. Já comigo, é sempre a descer. 
Diz-me a minha companhia assim:
- Levo-te a casa, tenho aqui o carro - eu lembro que estava a escassos cem metros de casa.
- Ai, que bom, adoro andar de cu tremido!
Parece que ainda estou a ver o outro do bom bocado, cá fora, a fumar um apreensivíssimo cigarro, e a ver-me afastar em direcção à tremedura do cu. E quis eu, agarrando as pregas-laregas do meu vestido-larido, que a equação vestido injusto mais meias altas mais vento não me criasse ali mesmo uma situação historicamente injusta, porque, por Murphy, até as cuecas hoje eu tinha mostrado a um desconhecido que, ainda por cima, não me tinha oferecido flores.

(E não, hoje não eram amarelas)

12 comentários:

  1. Resumindo: (estão as pessoas mal intencionadas a pensar) "fazes tudo para chamar a atenção"! :P

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    1. E eu lá tenho gente mal intencionada a ler-me? :P

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    2. Como diria "o outro": "Nem mal, nem bem intencionada. Antes pelo contrário..."

      ;)

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    3. Pois.

      Eu também faço piruetas, quando é preciso ;)

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  2. Mais uma prova dos perigos do café ;)
    E não sei porquê mas a palavra bobó parece ter vida própria. Com a sobrinha e o típico livro de animais e respectivos sons, sobre a diferença entre ovelhas (mééé) e cabras (bééé) sai-me a pérola "há as que fazem mémé e as que fazem bobó". Dito de forma completamente inconsciente (pelo menos para mim, o Freud era capaz de ter outra opinião).

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    1. É pior do que ir para a guerra. A pessoa nunca sabe se volta viva ;)
      A minha também foi inconsciente. Eu até acho que queria dizer "bebé", mas saiu-me com aquela vogal...
      E repara: a tua já é grave, porque é dita a uma criança, que pode sair por aí a repetir. Mas a minha é dita a um adulto, à frente de mais uns quantos.
      Devo ter um nico de Tourette.

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  3. Cara Linda,
    A sua candura e o humor com que escreve são desarmantes.
    Beijo,
    Outro Ente.

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    1. Caro Outro Ente,
      Sou vítima de mim mesma, a minha escrita é uma triste catarse dos meus anacronismos.
      Obrigada pela sua simpatia.
      Beijo,
      Linda Porca.

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  4. LP,

    A verdadeira LP, já está definitivamente boa ! Perdão, curada !
    O que posso dizer mais ?
    Olha LP - és um GRANDE tratado !

    E aposto - o empregado tímido era um grande totó ! Daí a tua confusão totó / bobó !
    É a única explicação possível e que abona a teu favor.
    Não fizeste nenhuma má figura ...mas que pagava para ter assistido...pagava !
    Um tratado ! :) :) :)

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    1. Com quatro ataques de tosse em cinco metros? Não te esqueças que, feita a média, a vizinha percorreu metade, e eu a outra metade, dos dez que nos separavam.
      E surda, que grito libidinices quando vou à bica?
      Isto é estar boa?
      Oh, céus, sou uma pobre vagabunda.

      Olha... agora que falas nisso, não: o rapaz não é nada totó. Pelo menos, percebe de nomes de bolos. E, convenhamos: alguém sai imune a um porta-estandarte deste calibre?
      Ainda bem que não conheço ninguém como eu.

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  5. Anónimo29/4/15

    Pois, quando uma pessoa quer fazer boa figura, só sai (perdoa o termo) - bosta!
    Eu não voltava a esse café... lol.
    E de bolos idem, nomes de bolos de pastelaria não é comigo. Aponto sempre "quero este aqui" e o senhor lá responde o nome do dito... "sim, sim, esse mesmo" diz a desastrada... putz!!! :D

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    1. É isso. Lol, putz.
      Para a próxima, assinas isso, tá-se?

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