Era eu ter agora dez ou onze anos de idade e pegava numa folha A 5, de linhas azuis, arrancada de um maço para dossier, na minha bic azul (porque a preta me dava azar e porque o mar é azul e é de azul que ele gosta), e escrevia uma daquelas promessas que tantas vezes passei para o papel - com sorte, um destes dias, ainda encontro, para ali numa caixa, um desses papeis - Meu Deus, Meu Deus, faz com que o meu pai me
deixe ir à festa do Pedro Nunes (estas já eram feitas no final da idade da inocência, se é que essa algum dia acabou).
Meu
Deus, Minha Nossa Senhora [tudo com maiúsculas, para não irritar os superiores, uma manifestação de raiz tão portuguesa], faço esta promessa porque estou desesperada e
preciso muito de ser ouvida, por causa do meu ouvido [ia a eito, com pleonasmos e tudo] direito, que está tapado
há muitos dias, e eu não quero ficar surda. Se o ouvido destapar nos próximos
três dias [dava prazos, adivinhava-se em mim um cobrador, desconheço como nunca vesti o fraque], prometo:
- Rezar 10 Avé Marias.
- Rezar 10 Pai Nossos.
(não posso prometer
rezar 10 Salve Rainhas porque não sei)
[E, naquele tempo, não havia internet, não dava para googlar, ler a oração, Salve Rainha, mãe de Deus, enquanto se come uma taça de cereais e se sente que se está a rezar]
- Não
dizer palavrões durante uma semana.
[Naquele tempo era mais fácil. Era possível]
- Não pensar mal de
ninguém.
[Já havia em mim uma crítica social, uma opinion maker. Uma fashionerer - sim, também faço neologismos em estrangeiro]
-
Não pensar em rapazes.
[Que tormenta, nunca cumprida]
- Comer tudo à mesa.
[Outra tormenta. E, provavelmente, uma associação de ideias com a anterior, vá-se lá perceber a mente retorcida de uma miudinha tão precoce]
- Não me rir nas
aulas.
[Esta, nunca consegui cumprir. Nunca. I know, I'm a sociopath]
- Não me zangar quando
a professora de desenho me chama preguiçosa.
[Vamos lá a ver: a senhora descobriu-me talento. Achava que eu podia fazer mais e melhor, mas não me explicava em quê. Devia querer que agarrasse nas trinchas e no rolo e pintasse a parede da sala de aulas. Não sei, até hoje, e, provavelmente, nunca saberei]
- Não me zangar quando
a professora de português me ralha.
[Vamos lá a ver: a senhora descobriu-me talento. Achava que eu podia fazer mais e melhor, mas não me explicava em quê. Devia querer que eu escrevesse, naquela idade, uma antologia, uma obra poética, a minha biografia em três páginas ou qualquer coisa para os anais (hah). Não sei, até hoje, e, provavelmente, nunca saberei]
-
Ir do meu quarto até à sala de joelhos e depois voltar (vou fazer isto sem o
pai e a mãe verem).
[Pudera, se o meu pai visse, içava-me pelos ombros e dizia "Está parva, a rapariga", e a minha mãe, ou nem dava pela minha passagem, ou, se desse, era capaz de comentar "Que coisa tão ridícula". Não sei como é que o meu percurso nunca incluiu uma passagem pela casa-de-banho, com descarga de autoclismo e siga. Eu era uma incompreendida, como são todas as miúdas daquela idade].
Assim, como não escrevi nada daquilo, o meu ouvido continua surdo.
Vou mas é ao médico e deixar-me de merdas, à espera de milagres.
Ui, a gosma chegou-te ao ouvido? Espera um bocadinho, vou atirar a moeda ao ar para saber se deves ou não ir ao médico :P
ResponderEliminarAs melhoras, companheira :)
Anda-me pelo crânio, já me envolve o cérebro! Amanda lá isso, prego-te! :P
EliminarObrigada, companheira :)
:) :) :)
ResponderEliminarMelhoras L.P. !
Já chega de tanto penar !
Obrigada, bem preciso.
EliminarEstou farta.