Entro na clínica que fica num rés-do-chão, porta sempre encostada, é só empurrar, e sou invadida pela animadíssima conversa das cinco mulheres que ali se encontram, uma senhora de idade com o cabelo extremamente curto, queixas de unhas negras e os pés sempre levantados ao nível da anca — cada vez que os baixou, percebi que não chegava com eles ao chão e então mexia-os para trás e para a frente —, uma mulher gorda — ela é que disse “Eu sou toda gorda” —, a trabalhar no portátil e ao telemóvel qualquer coisa de carregamento de trezentos e quinze cabazes de Natal, enquanto falava com as outras quatro, uma terceira, completamente vulgar, cabelo pintado de vermelho, sandálias rasas, prateadas, que disse calçar o quarenta (outro dia ouvi, numa série de crime, um detective dizer acerca do esqueleto humano que havia sido encontrado, “Só pode pertencer a uma mulher muito jovem ou muito baixinha, o pé corresponde a um trinta e sete”, por acaso achei piada, porque nem uma coisa nem outra, mas acho que a tabela americana deve ser diferente da nossa), uma quarta mulher, a mais jovem de todas, seus quarenta anos bem estampados, vestida de adolescente, mascando ruidosamente uma pastilha elástica, declarando-se incapaz de usar os mesmos ténis brancos duas vezes, logo para lavar, e, de facto, os sapatos brilhavam como novos, os atacadores impecáveis, e, por último, mas não a última, a histriónica, vestido transparente com riscas largas muito coloridas, botas de cowboy, peito gigante e gingante, falando ininterruptamente, rindo a cada pausa, gabando seu gesto e modo a cada frase, um ruído impossível de ignorar, uma tormenta igual a um álbum inteiro de metal. As cinco taca-taca-taca, sobre roupa, sapatos, lide doméstica, truques secretos para a despachar mais rapidamente. A faladora entrou no gabinete de psiquiatria e julgo que ficou lá a viver, pois não voltei a vê-la. Pergunto-me até que ponto a alegria e a euforia não estão intimamente ligadas com a tristeza. As restantes quatro tinham ido só para lhe fazer companhia. Quando me apercebi que a minha consulta estava bastante atrasada, disse para comigo que talvez fosse melhor ir arejar a cabeça e o resto do corpo. Devia estar em transe ansioso quando abri a porta e saí, porque respirei fundo o ar misturado de árvores e escapes e considerei o barulho dos automóveis e das gentes que passavam uma verdadeira entrada no céu.
Ainda bem que nasci mulher. Se já tenho alguma dificuldade em aturar-me a mim, que direi aturar uma toda a vida?