24/08/2020

Ditaduras

Coitadas das crianças que caem nas mãos de adultos vestidos de cordeiro. 

Quatro - duas mães, claramente irmãs uma da outra - e sete crianças, seis com idades entre os dois anos e meio e os seis, e um bebé de dois meses, que poderia (e deveria, diz-me a lógica materna) estar ao peito, mas isso é que nem pensar. Todos Franciscas e Tomáses, muitos fatos de banho com folhos e lacinhos, muitas regras e travões a fundo, alguns até sem nexo, oportunidade à vista (“sente-se ali”, “saia daí”, “não vá ao mar”, “vá lavar as mãos”, tudo um horror de não-tu, que não é o mesmo que o tratamento por “você”), ou razão de ser perante meninos e meninas tão obedientes. Um dos pais muito empenhado, em exclusivo, com o bebé, o outro um pai/ tio porreiro, aquela acepção que lhe permite brincar com as crianças, falar mais alto que os restantes, olhar em volta em busca de aprovação (ou mera plateia), usar cordão grosso com crucifixo ao peito, tudo ainda muito recente, muita primeira água, “Benedita, o que é que você quer?”, ao invés de “Benedita, o que é que a Benedita quer?”, ou “o que é que quer?”, ou “o que é que a menina quer?”, mas não podes tirar a aldeia do rapaz. 

Chegada a hora da refeição, uma das duas generalas alinha as crianças, saca de seis caixinhas plásticas de cores diferentes e distribui por todas, um conteúdo que nenhuma rejeita, parece-me cenoura em pauzinhos e panadinhos de frango, nada mau para refeições de piquenique, não fora repetirem-se dia após dia. E comenta uma delas, vitoriosa: “Este ATL funciona lindamente!”, enquanto dá mais ordens, “Esteja quieto”, “limpe a boca”, “acabe a sua refeição”, num louvável automatismo repleto de impessoalidade, seis pessoas tratadas como um todo, e vejam bem que, neste caso, não me parece nada que esse todo seja meramente a soma das partes: há seis cabeças diferentes, seis personalidades únicas, ali tidas como um grupo acéfalo, mas quem sou eu?

Notei apenas que, naqueles dias, não ouvi nenhuma daquelas crianças rir daquela forma que só a infância permite - e que alguns adultos, felizmente, conservam -, um riso gutural, solto e livre, vindo das entranhas e projectado pelos ares, que os meus ouvidos ainda guardam na enorme caixinha das saudades que é o coração. 


07/08/2020

Chatos do nosso Portugal # 2

Putos irritantes que só porque estão assaz excitados por estarem de férias, desatam a chamar “papá” ao pai [indiferente] e “mamã” à mãe [chateada dos chifres], com uma insistência e para aí um decibel acima do aceitável, esfrangalhando os frágeis nervos (ópticos incluídos) de vulneráveis como eu.

(Também existem na versão acompanhados ao violino desafinado por pai porreiro e mãe fixe, “Vamos comer um gelado”.)

[Isto foram anos engasgado aqui na glote, perdoai. Hoje, sem outro assunto de momento, desentalei a gosma - sem máscara e tudo.]