Nesta fase coronoviral, queria escrever um post por dia, mas o desalento e a ocupação constante com mil coisinhas mo impedem.
Realmente é bem verdade que a roupa não se passa sozinha, ao contrário desta aqui que vos tecla. Estou a brincar, raramente me passo, por isso é que ando sempre com os olhos raiados de sangue.
Agora a sério, não me tirem o ferro de engomar. Há muitos anos que é o meu escape, o meu momento zen, cada um tem o seu. Antes isso do que enveredar pelas drogas adentro.
Tenho conseguido continuar a maquilhar-me religiosamente (não num sentido literal), vestir-me como em dias de normalidade, apenas desci do salto e ando rasa ao chão, ora de ténis, ora de sabrinas. Em compensação, há dias vi a minha vizinha da frente de pijama, em plena rua, como se estivesse em casa. Uma completa inversão de valores.
Tenho ido correr dia sim, dia não, o que, não sendo famoso, também não é mau. Faço corridas curtas (3,5 km), que me sabem pela vida. É esquisito correr por ruas vazias em pleno dia, cruzar-me com a senhora da farmácia, com o carteiro, com a vizinha que vai às compras, e agora ser tudo diferente, acenamos à distância, apreensivos, nervosos, acho que até tristes.
Quando se anda na rua de dia, parece que se entrou na quinta dimensão: tudo fechado, poucas pessoas a circular. Assim que cai a noite, é tal e qual como quando se sai de casa às quatro da manhã. O silêncio e a inércia pairam no ar, mesmo que sejam sete e meia da tarde.
Noto que os automobilistas estão ainda mais agressivos, sobretudo com os peões na passadeira. Desconheço se é porque têm uma ilusão de impunidade, se lhes cresce a raiva do "go home" (como se eles estivessem em casa), ou se é algum jogo novo, tipo electrónico, mas com pessoas a sério, "corre ou morres".
Por falar nisso, preciso de estudar afincadamente o fenómeno dos automobilistas com máscara. Por vezes, vai mesmo o casal completo, dentro do carro, os dois de máscara. Não estão no seu habitáculo "esterilizado"? Não vivem juntos? Não comem da mesma malga? Tende mas é juízo e deixai as máscaras para quem efectivamente delas precisa.
Já agora, se a DGS recomenda o uso de máscaras apenas a quem está infectado, e ainda que quem está infectado deverá obrigatoriamente permanecer em casa catorze dias, quem são afinal aqueles cinquenta por cento de transeuntes que andam mascarados pelas ruas?
(Muita gente que não lava os dentes e nos poupa, assim, ao seu fétido. Bem hajam.)
Vi uma senhora de idade na televisão, os cabelinhos muito brancos, afirmando que não senhora, não está em risco. "Para além de ser diabética, não tenho mais nada, graças a Deus".
Queria ir dar sangue, porque recebi uma mensagem do IPS, mas a minha tensão arterial diz-me que nem pense, e isso tem sido mais um motivo de frustração, a acrescentar aos restantes. Numa ida à farmácia, li na porta que os hipertensos também são um grupo de risco e apeteceu-me ter um ataque de nervos. Depois li "Soraia, está a ser filmado", e lá me acalmei, apesar de não me chamar Soraia. Só após um curto raciocínio percebi que se tratava do verbo sorrir e até sorri. Ou já estou chanfrada da marmita, ou a precisar de uns óculos de sombra.
Uma pessoa que, diante da fila (exterior) da farmácia queria que existissem senhas de vez, com o argumento que "de manhã havia, por isso achei que agora também devia haver". E então, encostou-se a um muro a desabafar o quão incrível considerava que houvesse gente que vai à farmácia por tudo e por nada.
Por falar nisso, pessoas que vão à farmácia acampar desabafar: para quando uma multa? Uma pena de prisão não remível?
Tenho fé nos portugueses, mas só de segunda a sexta. Ao fim-de-semana julgam que estão de férias e são multidões junto aos rios e oceano. Vão claramente contribuir para medidas de restrição ainda mais apertadas, talvez assim nem vejamos o mar, todos nós, este ano.
Tenho a capoeira a metade, dois dos meus pintainhos estão fora. Embora saiba que estão bem, e que, em ambos os casos, foi a melhor solução, isso é assunto para me doer em, pelo menos, metade do coração.