Após insistências várias, algumas com cariz ameaçador, cá venho então falar do filme "A herdade", antes que me esqueça de tudo.
Pode parecer que não, mas gostei bastante, pelo menos das partes que vi, por estar acordada. Vá que pestanei um nico ali aos minutos 122 e 157. Ninguém manda aos realizadores portugueses fazerem filmes de duas horas e três quartos, quando a história até se contava em menos de metade e ficávamos todos felizes na mesma, designadamente pessoas como eu, que sofro daquele síndrome das pernas inquietas, razão pela qual, se estou parada num sítio muito tempo, sou acometida de um ataque de pernas, dá-me o ó-ó e depois só mesmo xonando-as é que me sossegam os membros inferiores.
Por outro lado, ainda não percebi a cena dos grandes planos do pessoal de costas, é uma grande falta de educação para com o público, mas estamos na missa ou quê? Começo a pensar que os planos de costas estão para o cinema português como o nu frontal está para o cinema francês: é um estilo. Mas achei escusado e um crasso erro histórico a cena em que o Joaquim, capataz, encarregado num monte alentejano - o que nunca é dito, mas a paisagem não engana, embora tentem enganar-nos com a léria dos arrozais - aparece de mãos nos bolsos, de costas, claro, a menear a peida como uma flausina. Isto é impossível alguma vez ter acontecido no Alentejo de 1973. Assim como é impossível que o carro do dono do monte seja um Mercedes dos anos sessenta do século passado, mesmo que ele fosse um coleccionador, apreciador de clássicos: naqueles terrenos, ninguém se deslocava de clássico. Isto, é claro, se não considerarmos que a marca deu uma achega para esticar o filme até às quase três horas.
Enfim, fora estes pequenos lapsos que só as atentinhas ao que não interessa como eu é que reparam, o filme tem uma história bem conseguida, cheia de verdades, lembranças e algumas subtilezas (a paternidade daquelas crianças, toda trocada), tem uma fotografia muito razoável, e interpretações francamente boas. Albano Jerónimo, que não tem culpa de ter um nome de merda, mas que se revela gigante (em sentido estricto, o homem tem quase dois metros). Interpreta um proprietário de bem com Deus e o diabo, mas de mal com a vida, de um blasé mais actual do que pertencente à época, mas que faz valer a pena o filme, especialmente na cena em que dança com a cunhada.
Não sei se já disse que gostei, mas também não me apetece ler aquilo tudo lá para cima. Ide ver (o filme), se fazeis o favor.