29/04/2019

Só hoje, já fui

A personificação da preguiça — aquele animal que sabe viver, designadamente porque o faz de cabeça para baixo, o que me parece lógico e acertado —, ao acordar, isto é, ao aperceber-me que, desta vez, que era para aí a enésima da noite, era para me levantar da cama;
Mãe: fui mãe, hoje. Mas mãe a sério, quando a ouvi chamar-me, aflita, Mãe... É que me trata pelo meu nome. Não que ache desrespeitoso, eu também não chamava mãe à minha mãe. Era mamã, ou então um petit nom cá nosso. Não que me faça diferença, mas é que me soube bem ouvir assim Mãe..., apesar de saber que foi na aflição, e, por isso, aquilo me ter disparado o coração como um tiro. E então fui mãe, num pé me pus ao pé dela. Sou tão egoísta ou tão desvalida, que hoje tenho andado todo o dia a ouvir aquela música Mãe...
Transportadora e entregadora de bens alimentares: estou farta de ir ao supermercado. Por maior que seja a encomenda do mês, passadas duas semanas já não-há-nada-para-comer;
Cozinheira: das minhas mãos têm que sair coisas que se possam comer;
Costureira: continuo a fazer coisas com as mãos e a máquina de costura;
Senhoria: e chata, também. Um aborrecimento, rendas atrasadas;
Prima: consolei a prima pela morte da cadela dela. Percebo-lhe a dor, a minha Mel faria hoje oito anos e já não faz. Nem fez cinco, nem seis, nem sete, assim como não fará nove nem dez. E continua a doer;
Profissional na minha área: apercebi-me de que fiz merda e até lágrimas me chegaram aos olhos. Nem o cansaço, nem o "só não acontece a quem não faz" — tangas de justificação para a incompetência — explicam um errozinho que é como um grão de areia numa engrenagem. 

Até ao final do dia, ainda serei mais não sei quantas pessoas, resta saber em quantas delas eu serei eu.


Dumbo

(Se acharem que é spoiler, é não lerem # 12)

(Assim se afere a quantidade de assuntos que sinto ter para tratar aqui no buraco ultimamente. Venho dar notícia - nem sequer spoilar - de que vi um filme infantil. Há mais de quatro semanas, ou por aí. Sei que ainda não tinha desmanchado o rabo.)

É que não é spoiler. Não venho cá fazer a sinopse, sob pena de afectar vossas excelsas sinapses. (Gostei de encafuar na mesma frase as palavras sinopse e sinapses, apesar de algo forçado.) (Também gostei de ter conseguido usar a palavra excelsas.) 
Venho cá mesmo só dar esta opinião muito pessoal: o mais extraordinário no Dumbo, não é o facto de ser um elefante que voa, e sim o de ter olhos azuis. Nada que não se tivesse visto já no boneco da Disney, mas que parece absolutamente fantástico quando transposto para um elefante "a sério". Lá voar, ainda vá que não vá, agora, olhos azuis num elefante!?
De resto, o filme é muito bonito. Podeis ir ver, à confiança. E levar crianças, se vos aprouver.

24/04/2019

O problema é se o verniz é recente e de má qualidade

Eu também acho que cada um deve fazer ao seu dinheiro aquilo que quiser. 
Aceito e acredito na liberdade de escolhas e sei que cada qual deve viver tranquilo com a defesa dos seus valores. 
Sou pessoa suficientemente crescida para acreditar que há coisas que tocam mais de perto uns do que outros: desde que fui mãe, fiquei mais sensível à causa das crianças; desde que tive uma mãe velhinha, fiquei mais sensível à causa dos velhinhos; desde que tenho gatas, fiquei mais sensível à causa dos animais. (Não me dêem flores. Por favor. Não aguento mais tanta sensibilidade.)
Também já sou adulta o suficiente para saber que o Mundo em que vivo só não é uma merda porque estou do lado bom, civilizado, com água potável a sair das torneiras e rodeada de gente que, mais ou menos, respeita as mulheres (quando não as mata). Mas também suspeito que vivo rodeada de patos-bravos, pois até ouço um grasnar de vez em quando. Só isso me explica que seja tão necessária a afirmação do valor Cultura (e História?) (e Tradição?) — que, efectivamente, não existe enquanto tal —, agigantando-o sobre o valor Vida. Deve ser por ser da vida dos outros que se trata. Pergunto-me o que seria de nós, pequeno país do sul da Europa à beira-mar plantado, se fossemos um destes dias brindados com um qualquer desses caprichos da Natureza. Quem nos acudiria? E que prioridades teria o tal mundo de gentes superiormente cultivadas sobre a nossa salvação?
Eu também acho que cada um deve fazer ao seu dinheiro aquilo que quiser. Reafirmo, a ver se me convenço disto. 
No limite, ou muito antes dele —, ainda que haja pessoas a morrer de fome, de sede, de frio, de epidemias —, pode sempre rasgá-lo, fumá-lo, metê-lo pelas veias, pelo nariz, ou num orifício qualquer que lhe apraza e lhe seja prazeroso. Ninguém tem nada a ver com isso. Porque, ao que parece, neste Mundo em que eu vivo, nenhum de nós tem uma obrigação Moral — e, antes dessa ainda, uma obrigação Afectiva — para com o próximo. 
Afinal, pensando melhor, não sei se estou do lado bom do Planeta. 



22/04/2019

Fardos de palhinhas

Foi giro, ter recebido, em plena festa regional, uma "palhinha ecológica". O Mundo preocupa-se com o flagelo do plástico, designadamente dos sacos de compras, cotonetes e palhinhas que, não num futuro próximo, mas num presente actual, poluem os oceanos, comprometendo a sobrevivência das espécies - e, convenhamos, a humana por arrastão.
A dita palhinha mais não é do que um tubo feito de uma guloseima com sabor a morango, que, na realidade, não poderá ser usada mais do que uma vez. Gaba-se de não transferir o sabor para a bebida, e imagino o que será beber água por ali: acredito que a água me saberá a água - apesar de inodora, incolor e, principalmente, insípida -, mas a palhinha que a transporta em direcção à minha boca me saberá a morango, ou outro gosto qualquer que lhe tenham injectado na fábrica de doces. Eu, por mim, confesso que comi a minha palhinha sem a ter experimentado numa bebida, por isso esta opinião vale o que vale: zero.
Então, solução para a palhinha reutilizável? 
A madeira ou o bambu não parecem ser. Sendo, como são, materiais naturais, são igualmente mais atreitos a fungos, e ponha o dedo no ar quem quer um fungo ao nível gengival, com todas as consequências que daí possam advir para a dentuça. 
Para quem não possa viver sem palhinha e lhe faça toda a diferença beber sem ela (designadamente as crianças e alguns adultos imaturos ou apenas desconfiados da higiene dos copos), tenho para mim que a solução está no alumínio (material cuja reutilização é infinita, para além de permitir a sua higiene a altas temperaturas), ou no cabo de uma caneta Bic. 
(Um dia, que não estará muito longe daqui, vamos todos parecer o tontinho da aldeia, sendo que o próprio terá um comportamento socialmente irrepreensível, por contraposição.)
Já agora, as palhinhas só se chamam assim porque quando eu era pequenina antigamente, nos primórdios, aquando da sua invenção, eram feitas... de palha! Se regressássemos a esses belos tempos, o problema das palhinhas desapareceria no acto, pois bastaria a cada restaurante/bar possuir um jerico nas traseiras, que ele tomaria conta dos fardos, ao fim do dia. Agora a sério: palhinhas de palha. Não são poluentes, são biodegradáveis, e, ainda que, por absurdo, vão parar aos oceanos, haverá um qualquer peixe-burro que aprecie aquilo. Isto, admitindo que não se desfazem e integram o ecossistema, passando a fazer parte da composição da areia. 
Isto hoje foi de génio.

21/04/2019

Diz que não há duas sem três

E isso é algo que pode gerar controvérsia e preocupação em meu âmago.
No espaço de uma semana, dei uma queda que por pouco não me fracturou o cóccix e tive uma gastroenterite. Sei agora que, pelo menos a primeira, me desalinhou os chakras, pois a pancada foi no primeiro deles e realmente sinto em mim todo o desequilíbrio que isso provocou. Senão, vejamos: ontem besuntei-me com condicionador capilar, julgando estar a fazê-lo com hidratante corporal. Pois, hoje foi a vez de me lavar com champô. Tudo por culpa e conta de embalagens iguais.
Pergunto-me o que pensará toda a minha - eventual, porém - pilosidade corporal que sobreviveu a depilações mais ou menos radicais. No mínimo estará... confusa...?
O que se segue?
Um inadvertido flic-flac à rectaguarda com dupla pirueta e triplo mortal encarpado (com óbvia e expectável aterragem forçada em decúbito dorsal)?
Uma lavagem dentária com supercola 3?


20/04/2019

Não mudes nunca (nem conseguirás)

É o que me digo com frequência amiudada quando me contemplo ao espelho.
Praticamente seis anos após o episódio do óleo de duche que besuntei como óleo pós banho, do qual ainda guardo memória (essa capacidade tão pouco selectiva que só retém tralha, lixo e supérfluos), e a minha pele também haveria de guardar (pois esteve a isto assim - um naco de nico - de fritar ao sol da cidade), hoje foi o dia em que espalhei por toda a cútis condicionador do cabelo (que acho que serve para o condicionar, seja lá o que isso seja, Pavlov explicaria), ao invés de hidratante corporal.
Desta feita, tenho como desculpa que os frascos são iguais e eu, para não variar sequer em ré menor, não li os rótulos. 

Nem tinha porquê, uma vez que, não usando condicionador, desconheço o trajecto que o dito fez até se alojar no meu nécessaire de fim de semana. Um ser humano quer reduzir o volume na mala, atira-se aos frascos que traz dos locais onde se hospeda por vezes, e dá nisto. O que é certo, é que ali apareceu e eu, após cobrir praticamente toda a pele corporal com aquilo, e verificar que estava a ficar toda branca, não estranhei. Há cremes muito esquisitos. Já uma vez comprei um protector solar que era azul. As minhas crianças pareciam strumpfs quando eu terminava a tarefa. Hoje só me questionei quando resolvi passar o mesmo creme na cara e verifiquei a minha assaz semelhança com Pierrette, a chorona.

17/04/2019

au revoir, ma Dame. au revoir, madame

De cada vez que me lembro que a Catedral ardeu em parte, lembro-me que morreu a Dina. (Assim, com artigo definido, como se a conhecesse de algum lado.) Não sei explicar que espécie de associações esdrúxulas faço com alguma frequência, mas também não é nada que me surpreenda e digamos que até já estou habituada. Mas perder duas referências, ou melhor, duas "certezas", em tão pouco tempo, desestrutura-me um bocadinho de cada vez.
Agora deve ser hora de todos nos lembrarmos da(s) vez(es) que visitámos a Catedral e o significado que teve ela para nós. Quanto a mim, visitei-a já adulta e com todos os filhos nascidos, numa época próxima do Natal, pelo que o presépio estava montado, embora ainda sem Menino Jesus, pois não era nascido em Novembro. Já havia estado em Paris antes, mas numa idade em que as Galerias Lafayette, a loja da Elle e a Benetton eram as minhas únicas prioridades em Paris. Louvre, Pompidou e a Catedral eram para ser vistos por fora, quais agora meter-me em filas e pagar bilhetes para ver obras de arte. Cada coisa a seu tempo. Ah, mas subi à Torre Eiffel. De elevador. De qualquer maneira, quando entrei pela primeira vez na Catedral, já a conhecia pormenorizadamente por obra e graça das prodigiosas mãos Disney que desenharam cenas como esta para o filme de animação (quase nada) infantil O Corcunda De Notre Dame, que eu visionara para mais de trinta vezes. Ou, se calhar, mais de o dobro disso.



Mas Dina morreu e isto não me sai da cabeça. Tens na pele um travo a laranja e no beijo três gomos de riso, haverá lá coisa mais bonita que se possa dizer cantando a alguém? Bem sei que não foi ela que escreveu o poema, mas o que é que isso interessa, se o cantou daquela forma que jamais ninguém? Morreu, e a sua morte foi tão apagada das redes como se não tivesse ocorrido. As pessoas têm medo de ser conotadas. Dina era bissexual, toda a gente a julgava - na verdadeira acepção do termo - homossexual, e isso cria aquele incómodo ao povaréu, que tem medo de ser rotulado de lésbico (homens incluídos...?) se assumir que gostava de ouvir Dina cantar. Uma coisa não muito diferente do que se passou com António Variações. Em 1984. Agora tudo lhe presta altas homenagens, imagino que Dina as receberá também daqui a trinta e cinco anos. 
Pode ser uma espécie de espírito de contradição, desta necessidade de estar sempre a remar contra a maré, de nacional porreirismo, ou apenas de burrice teimosa, mas olhem, se há sofrimento pequenino quando me lembro de uma perda e de outra, certamente que o da morte de Dina se me agiganta muito mais dentro do peito do que o do incêndio na Catedral parisiense. O Mundo que me desculpe este meu mundo.

13/04/2019

Eu cá não sou supersticioso

Esta noite sonhei que a Estrada da Luz estava cheia de serpentes, jibóias, anacondas, víboras, pítons, enfim, cobras. Não, eram mais serpentes, grandes e grossas, e o carro passava por cima daquilo tudo, indiferente.
Agora vou meter-me à estrada. Just saying.
Adeus.

11/04/2019

Intemporal vida

Então as duas senhoras, uma já entradota, essa espécie de definição aplicada a quem anda pela casa dos sessenta, a outra seguramente com idade para ser sua mãe, ambas me medindo com invisíveis fitas métricas e olhos perscrutantes, vaiando-me de "minha senhora" a cada pausa, haviam-me dito que, umas portas adiante, três ruas para trás, descendo ali uma parte da calçada, iria encontrar um senhor de muita confiança, que amola tesouras, e não é desses de andar na rua com a roda, a anunciar chuva, que se paga uma fortuna e fazem um serviço que é uma vergonha e depois não temos a quem nos ir queixar, porque eles desaparecem, "na chuva", acrescentei eu mentalmente. Isto porque tinha dito a uma das duas ou a ambas, acho que ao calhas, que tinha a minha tesoura de vinte e seis anos, mais velha que qualquer dos meus filhos, a deixar de fazer o que lhe compete, que é cortar. Por isso é que lá fui bater à porta aqui há umas semanas, que é como quem diz, muni-me do mapa mental, o crosquis descritivo das duas, e fui lá dar. Há lugares assim como aquele, em que o tempo muda de lugar, e em que qualquer retrato que deles tiremos ou façamos será sempre intemporal: impossível identificar-lhes o ano, sequer a década. Assim era aquele, tanto podia ser hoje como na minha mais tenra infância, perguntei-me à chegada se já existia ali há duzentos anos, e tal e qualzinho. Havia guarda-chuvas, bengalas, facas e tesouras um pouco por todo o lado, e o espaço, algo amplo e não muito diferente dos antigos sapateiros - anteriores a umas fabriquetas chiadeiras de chaves coloridas que não servem em fechadura nenhuma e me preenchem de raspão a visão periférica -, era praticamente todo ocupado pela presença de um senhor, também ele intemporal, e seus vivos olhos atrás de grossas lentes, que me recebeu com um "bom dia, menina", sem medições nem distâncias inúteis. Comprometeu-se então a ter-me a tesoura fina, afinada e afiada para dali a sete dias, e foi também por isso que voltei passavam já dez sobre esse dia, e o que é facto é que a tesoura não estava pronta. Riam os olhos quando me confessou que, entretanto, fora operado às cataratas, como se isso não fosse já previsível naquela outra data, e riram os meus quando me pediu meia-hora para proceder à magia da afinação, combinada dez dias antes e atrasada agora por três, contas feitas assim por alto. E foi assim que voltei para casa com o assunto resolvido, é certo, mas também com a certeza de que há pessoas e lugares em que a vida é intemporal - sem temporais.

10/04/2019

Hoje acordei magra

E então fiz a coisa mais blogger que me ocorreu no momento, que foi tirar uma autoselfie, em clara blogger-influencer-position, para mais tarde ou mais cedo recordar o momento, quiçá irrepetível. 


Perdoe-se-me a cara de desenterrada, que se deriva do facto já sobejamente conhecido e aqui publicitado, o cabelo em (ainda maior do que é costume) desalinho, mas lavara-o há pouco e ainda não lograra dominá-lo, o cenário dantesco em que ainda se encontravam os aposentos da magra - e já muito cortei eu, poupando-vos ainda à visão dos pés por arranjar, pois até cortei ali uns cotos -, mas também não possuo um elevador que me faça as vezes de estúdio fotográfico, o xnelo e tudo e tudo o mais. Mas deu-se que temi que a visão que estava a ter de mim mesma fosse fugaz como uma fuga de gás metano, e dei-me rapidamente à frugalidade da chapa, não fosse mais tarde ser acusada de algum delírio sem provas da efectiva magreza de que estava a ser protagonista. Neste momento, por exemplo, em que já almocei uma papa de arroz, uma banana e um iogurte, estou muito mais gorda, apesar de mais gira, pois o cabelo já tomou formas de gente e substituí o xnelo por umas meias muito confortáveis que vieram parar cá ao lar por obra e graça do espírito santo (não são de ninguém, ninguém as quer, provavelmente roubei-as inadvertidamente no ginásio, assim como me nasceu um sutiã na gaveta uma vez). 
Está bem que me desapareceu o rabo, mas, em compensação, desapareceu-me também a barriga. E, no fundo dos fundos, quem é que precisa de um rabo se, quando bate com ele no chão, lhe fica a doer da forma como ficou o meu, como se não houvessem nalgas nem amanhã?
Portanto, confirmo o que já suspeitava há uns anos a esta parte gaga: nada como uma caganeira em bom para nos pôr na linha. Quais dietas io-io, quais doutores da sabedoria endócrina, quais comprimidos do milagre, quais fechar a boca e passar fome. Era eu ser uma mulher de Ciências e isolava mas era o vírus da gastura, patenteava a coisa e vendia-o que nem pãezinhos. E depois comprava frascos. Frascos!
Está feita a minha quaresma, aleluia, irmãos.

(enviado por uma filha, algum dia tenho esta imaginação?)


09/04/2019

Encontrei o Zezinho!

Mr. Google, após aturar-me pesquisas por “boneco de chiar bebé borracha vintage” e outras mais ou menos perversas deste género, desistiu de devolver-me caraças assustadoras e Vitinhos vários, para me ofertar a imagem do verdadeiro Zezinho, exemplar não único dos nossos zezinhos.




08/04/2019

Já não bastava o coice que me autoinflingi nos quartos traseiros

Estava aqui a degustar um iogurte simples com açúcar e uma banana - das poucas iguarias que são permitidas a uma pessoa nas minhas circunstâncias -, após ter almoçado um puré de cenouras composto apenas por cenouras e duas colheres de arroz branco composto apenas por arroz branco, quando me pus a pensar nos zezinhos. 
Os zezinhos foram dois bonecos de borracha que a minha irmã e eu tivemos, oferecidos por alguém, talvez a mãe do primo Zeca, e que, isso sim, é certo, por serem muito parecidos com ele, foram ambos baptizados com esse nome, sem maiores buscas por originalidades ou diferenciações. Os nossos zezinhos eram iguaizinhos um ao outro, apenas diferindo nas cores do cabelo - o da minha irmã era loiro, o meu era ruivo - e do debrum do almofadão, um azul, o outro verde. De resto, estavam ambos deitados de lado, com a cabeça pousada no almofadão debruado, um dedo (creio que do pé) na boca (o que muito me aborrecia, pois não conseguia pôr chucha nenhuma ao meu) e a fralda branca a tapar as partes pudendas, mas que, apesar dela e sob ela, se presumia a presença e prova de um sexo masculino. Enfim, nós demos por garantido que os zezinhos eram dois meninos e, se não havíamos perdido tempo a encontrar-lhes nomes que os diferenciassem, menos ainda nos preocupámos com o género dos bonecos. E, já que eram integralmente de borracha, almofada incluída, entendemos por bem fazer deles nossos brinquedos de banho, que, na época, era comunitário, quantas vezes não com a cadela também, já que a alternativa que apresentávamos era a de não nos lavarmos de todo. Ora, os zezinhos tinham um pipo atrás das almofadas, que era por onde entrava água, que depois saía de esguicho. Conforme é sabido comummente, nada mais fantástico para uma criança metida numa banheira do que um boneco que esguiche. É claro que, à força de tanto entrar e sair água dos corpos dos zezinhos, um dia mais tarde encheram-se de bolor e foi-lhes o fim. Acho que se desfizeram, a borracha tem esse grande sentido de oportunidade. 
Assim estou eu há três dias, a esguichar por cima e por baixo tudo o que ingiro, seja água ou outra coisa qualquer mais sólida (mesmo que seja gelo, portanto), e só não apresento uma imagem mais gráfica de todo este cenário porque, parecendo que não, ainda sou uma senhora, e ele há limites. No entanto, um pensamento ilumina-me as horas mais negras: "É desta que fico magra". 
Vá lá a ver se não me encho de bolor e não me desfaço em pó.

05/04/2019

O coiso faz seis anos

Nem de propósito, este buraco completa hoje a linda idade de seis anos. Criado numa tarde de tempestades várias, designadamente atmosférica, aqui o eis, de passando de cerca de dois mil dias depois, três mil e tal postas após. Está um menino, qualquer dia vai para a escola aprender a ler, e, muito mais importante, a escrever.

(Este post foi directamente escrito de Ai-fostes, mas convenhamos que podia ter sido escrito com os pés, de costas para o teclado ou de cabeça para baixo - ou tudo em concomitância -, que contava na mesma para as estatísticas, ou não? Mr. Blogger defeca-se para a qualidade dos conteúdos, apenas a permanência, assiduidade e quantidade interessam para o cômputo, digo eu.)

04/04/2019

Cóccixada

Não existe uma fórmula correcta para contar isto. Ando para vir aqui desabafar há dois dias, desde a ocorrência, e não me sai um intróito que não pareça outra coisa, se vos confessar que caí da cama. A verdade nua e crua é que estava vestidíssima, foi a meio do dia, tudo assim muito pouco erótico. Fazia companhia a uma filha doente, deitei-me ao lado dela enquanto esperávamos o médico, e nem de repente, nem com a desculpa de atender o telemóvel, nem nada, apenas porque tinha que ser, virei-me para o lado e não me falhou o chão, antes pelo contrário: falhou-me a p. da cama, e olhem, deu-se. O trambolhão. A traulitada. Pois, não sei explicar. Tombei de maço, quedei-me no soalho, até me pareceu que a cama se elevou um bocadinho só para que eu caísse de mais alto. Eufemisticamente falando, bati fortemente com o cóccix no chão. A base da coluna. A cauda equina. O horror, a dor excruciante, o ridículo do sofrimento ao nível da rabeta. De que me servem as nalgas se depois, quando mais preciso delas, se encolhem, cobardes, e permitem que o osso se amarfanhe desta forma contra o pavimento? Deixei de ver a luz, o que, convenhamos, parecendo que não, é sempre bom sinal, o desmaio a advir, as pernas num formigueiro de térmitas, ai tu queres ver que vou ser a entrevadinha do bairro, que vai ter que explicar-se para todo o sempre que caí da cama e dei com a peida no chão?, mas como me apeteceu chorar e o meu organismo não consegue fazer tudo ao mesmo tempo, já não me apaguei, dei uma boa chorada e, quando o médico chegou, estava fina, apesar de ter a maquilhagem borrada e um andar um bocado estranho, quadril alçado e um tudo-nada coxinha.
Desde aí, dói. Dói andar, dói subir escadas, dói dançar, dói correr, dói a pessoa sentar-se, dói mais ainda quando se levanta. 
Mas quem é que nunca desceu do salto, quem foi? Ah, pois é.