20/02/2016

Regresso às aulas

Após prolongada ausência e aturada reflexão (lembrei-me de que a última vez que fui a uma aula, ainda tinha outra idade. E foi noutro ano), hoje voltei a Pilates. Madruguei-me, fiz-me à estrada e aportei o boi à porta — passe o pleonasmo —, sob um céu azul, azul, da cor do céu. 



Apesar de ter chegado minutos antes do começo da aula, já não havia senha e a multidão à porta indicava-me claramente que era mais sensato desistir e ir à minha vida para outro canto menos populoso. No entanto, a sensatez nem sempre me assiste, dos fracos não reza a História, e fiquei. Eyelash power, um nico de beicinho e talvez André Pilateiro me mandasse buscar um colchão para me deitar nele.
Ainda assim, não foi preciso grande esforço em nenhum sentido. Ele chegou, mudou a aula para uma sala maior — hallelujah, irmãos, alguém raciocina naquela casa! —, de modo que ficámos todas muito mais à vontade para o esticanço e esperneanço. Digo todas porque éramos uma clara maioria de femedo, e o novo Acordo Ortográfico, que eu, irreverentemente, não sigo, dita que a maioria determina o género na construção da frase. (Portanto, eu tenho quatro filhas.)
André Pilateiro, um cavalheiro, disfarçou a alegria esfusiante, o entusiasmo desmedido, a loucura interior pelo meu regresso, com um meio sorriso à distância de cerca de seis metros (a distância, não o sorriso), e um acenar de mão cheio de significados.
A sala maior não tem espelho, o que é pena: uma pessoa não se manca, sem um espelho que reflicta os seus lados lunares. Por outro lado, o tecto é quase preto, e alguém colou umas estrelinhas de papel dourado junto às lâmpadas, de maneiras que houve uma altura em que entrei um nico na máquina do tempo e me vi na primeira vez que fui ao Planetário, com a escola (e entrei em órbita, acho que hiperbólica).
Agradeci ao tecto e às estrelas o facto de Pilateiro não me ter perguntado o motivo de tão longa ausência, pois só teria coisas estúpidas para lhe dizer: tive preguiça de acordar cedo ao sábado; a minha gata morreu e eu deixei de gostar de sábados de manhã; andei triste para acordar cedo ao sábado; choveu bastante.
A novidade maior foi termos uma aluna anglófona, o que revelou um Pilateiro de duas línguas: deu a aula toda em português e em inglês. Safa-se bastante bem, embora não traduza as piadas da praxe "as nádegas são as bolas de carne do lado oposto da bacia", ou outras curiosidades eróticas como "ponho a testa no púbis". Acho uma simpatia da parte dele ter o cuidado de traduzir a aula toda, mas, ao mesmo tempo, faz-me confusão que isso tenha que acontecer, porque me cheira a subserviência, e essa nunca tem um odor muito agradável. Parece que o povo português é o único romano, que em Roma o sê. Ou que os povos anglófonos são totalmente destituídos de capacidade de adaptação e aprendizagem: para onde quer que se desloquem, os outros é que têm que se desdobrar para se fazerem entender.
Fiquei com vontade de, na próxima aula, lhe dizer que só entendo italiano. Era língua que lhe assentava que nem uma luva, naquela voz dele, de Eros (Ramazzotti).

4 comentários:

  1. Anónimo20/2/16

    Esse Pilates é familiar do Pilatos, o gajo que lavou as mãos? :))))))))
    Bom sábado.
    Beijinhos

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    1. O Pôncio? Não, este anda sempre de mãos sujas :)
      Bom sábado.
      Beijinhos

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  2. Um dia destes também vou!

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    1. Uma vez ou duas por mês, é bom. Todas as semanas, se as costas não pedirem, não faz grande falta: é muito parado.

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