Tudo me parece irónico, à chegada. Depois da curva de saída da A5 — que termina ali, não há mais A5 depois daquela infindável estrada —, está um outdoor de uma agência funerária que grita BAIXÁMOS OS PREÇOS PARA CONTINUAR A CRESCER, que já me provocou um sem-número de sorrisos daqueles que fazem o borderline entre o riso e o esgar.
Os que nos partem, escrevi eu. Agora estou assim, leio os outros e leio-me a mim, mas não leio livros. Posso dizer que há meses que não pego num livro, visto que já passou mais do que um. Reparo que toda a gente tem um livro em mãos, menos eu. Não tenho tempo para ler, tanto que escrevo. Fervilho, até me sinto rebentar. Até me ouço crepitar.
Os que nos partem (...) deixam-se ficar em todos os lugares.
Nunca como agora me fez tanto sentido, isto que escrevi. Toda influenciada pela famosa frase de Saint-Exupéry, nem num rasgo de que eu própria tanto gosto sou capaz de ser original.
Os que nos partem — porque se vão, porque nos deixam, porque nos morrem, porque se morrem, porque nos partem o coração —, fazem também com que nós partamos deles e sem eles, tomando a direcção oposta. Partem-nos, e nós partimo-los, partindo deles. Não são só eles que nos deixam. Nós também os abandonamos — mesmo, e sobretudo, não querendo.
Hoje olhava-a, investida de uma tristeza ausente e contagiosa, e percebi que aquele abandono não significa tão-só a partida dela de mim, mas também a minha soledade de ela — e que, por mais laços que eu vá buscar à arrecadação das memórias, torcendo-lhes o ferro em nós cegos, existe um cordão umbilical, que está, lenta e irremediavelmente, a desvanecer-se. A partir(-se).