Eu tenho dois psiquiatras

Dois. E chegam-me perfeitamente. Toda a gente deveria ter, pelo menos, um. 
Os meus são o meu carro e o meu ferro de engomar. 

Quem já partilhou uma viagem comigo, nem que tenha durado dez metros, sabe do que falo. Sento-me ao volante, ainda não apertei o cinto, mas já liguei o motor, e baixa em mim a besta. Todas as minhas frustrações (que as tenho. Por exemplo, não ter mais 2 centímetros de altura e atingir, assim, os 170 centímetros no meu total), as minhas raivas (que as tenho. Por exemplo, não poder bater em cerca de uma pessoa que me provoca o nervo óptico por cerca de uma vez por dia) e as minhas tristezas (que as tenho. Por exemplo, quando o céu não se me apresenta azul-azul) me engolem inteira, qual tsunami, qual quê, antes o canhão da Nazaré, me invadem até à espinal medula, sobem por mim acima, descem por mim abaixo, assim mesmo, redundantes. O meu record, bati-o no dia em que, ao tirar o carro da garagem do prédio, me passei dos cornos na primeira curva (da garagem, não minha), ou seja, cerca de cinco metros adiante do meu lugar de estacionamento. Tinha motas no corredor de saída, e aquilo estoirou-me uma têmpora. Mas, lá está: bradei qualquer coisa como Aqueles grandessíssimos filhos da p***, que nem bom dia dão a uma pessoa, ainda se dão à lata de meterem as p**** das motas no caminho do meu carro, obrigando-me a uma manobra do c******, se fossem mas é para a p*** que os pariu, cab**** da m*****. Pronto. Ficou feita a catarse. Saí da garagem com a psicanálise feita, aliviada (refiro-me aos planos meramente emocional e psíquico), feliz, absolutamente tranquila. Zen também não, que isso não é para mim, e tranquila não é mansa.

Vou no trânsito e é igual: Sai da frente, ó boi; Mas esta gaja acha que está aonde?; Pronto, agora vamos ficar a pastar a vaca aqui, atrás deste. É muito, muito raro, gesticular, o que também não é suposto acontecer na marquesa ou no cadeirão do psi, embora, às vezes, tenha que responder aos gestos que me dirigem. Uma vez, uma mulher, ordinaríssima, fez-me um tóino. Isto deu-se à entrada da Ponte 25 de Abril. Eu passei-me tanto que até me custa aqui confessar que gesto lhe fiz de volta. Por isso, não confesso. O psiquiatra é o meu boi rodado, não são vocês. Mas, garantidamente, que atravessei a ponte cantando e assobiando, que é outra das minhas valências (e que ainda me vai tirar da miséria, um dia).

O meu ferro de engomar também é meu psi, mas de uma forma diferente. É quase um padre, ao qual me confesso, mas de pé, que, cá de joelhos, é só quando eu estou para aí virada, não é quando ao senhor prior apetece. Numa situação de grande stress, é ver-me ligar o ferro à corrente, montar a tábua à bruta, sem pedir licença, agarrar numa montanha de roupa amachucada e pimba-pimba-pimba, até me cansar, que é quando me acalmo. Atenção que o agente detonador de grande stress pode ser a mera visão da montanha de roupa que há para escalar, não preciso de muito mais. Passa a roupa a passada, passo eu, antes passada, a refeita, perfeita, bem feita, sem maleita, nem... chiu, antes que isto dê para o torto, que eu já vi que também rima.

Há também quem use a culinária para o mesmo fim. Eu não consigo. Embora cozinhe como uma profissa, não sou capaz de desabafar com os tachos. A cozinha é muito ingrata. Podes fazer tudo à pressa e ao calhas e sai-te uma iguaria que merece palmadas nas nalgas (caso andes a servir numa tasca), ou aplicares-te como uma alquimista e sair-te uma nhanha digna de uma boa surra no tronco. 

Se todas as pessoas tivessem um psi desta natureza, o mundo seria muito melhor e formar-se-ia um ciclo vicioso de boa disposição e bonaventurança*. Enquanto desafogavam as mágoas, ou acertavam as ideias, estariam, igualmente, a fazer qualquer coisa de útil, senão para a Humanidade, pelo menos para o próprio umbigo que, como se sabe, é o centro do Universo de uma larga camada da população. Sobretudo, fariam qualquer coisa de não prejudicial. Em vez disso, têm blogs. 
Eu também tenho um blog, caso não saibam. Mas, quando estou verdadeiramente aflita, virada contra o mundo, e, muito em particular, quando o mundo está virado contra mim, agarro no cesto da roupa por passar, vou-me a ele e dou-lhe uma boa tareia. Em alternativa, ou em cumulativa, mas nunca em simultânea, vou dar uma volta de carro, nem que seja ao bilhar grande. Mas não chateio ninguém.

* Sei lá por que é que escrevi esta palavra. Gosto dela, uso-a na minha linguagem comum, o blog é meu e apeteceu-me. Acho que a li num manual de História, uma vez, e fiquei tão fascinada por ela que já não retive nada da matéria que estava a estudar, mas ficou-me esta bonaventurança de palavra a bater no ouvido, cheia de ritmos coloridos. E sim, eu sou esquisita.

Deslarguei esta frase # 25

O enxofre é um poderoso adubo para o desejo de vingança. Experimenta enxofrares uma pessoa e depois conta-me em que estado é que ela regressou à tua vida.

30/03/2015

Campo magnético fisico-químico

Se as reacções químicas que provoco em os humanos deixaram de constituir grande mistério a esta altura da minha vida, já as reacções físicas que despoleto nos objectos continuam sem qualquer explicação. Não percebo por que é que interfiro com as antenas de interior, assim como interfiro com os alarmes das lojas, assim como apanho choques eléctricos nas portas - e, às vezes, no interior - dos carros. 
Desde miúda, ainda no tempo das televisões com antena interior, que estava proibida de passar à frente da televisão, porque dessintonizava os canais (que eram só dois, mas conjuga-se no plural na mesma) e aquilo fazia um ruído de chuvada que era uma desgraça, para além de esmerdar a imagem toda. Como a televisão estava na sala mais concorrida da casa, onde estavam todas as estantes de livros e o estirador do meu pai, eu tinha a grata incumbência de me deslocar aí de gatas, já com oito, dez, treze anos, com vista a não comprometer o programa dos outros elementos da minha família. Capaz de ter sido esse momento que veio a determinar que me tornasse mãe de quatro, um dia.
Com os rádios a pilhas - não sei se sabem do que se trata, mas ó: eu não vou explicar, olha, procurem, que eu não sou vossa mãe e já me chega a multidão que fabriquei -, é a mesma coisa. Tenho um assim na casa-de-banho, e não, não é para quando me lavo, que, nesse momento, liberto a fadista (embora desnuda) que há em mim, nem é para quando me sento, muito ardente e cheia de ardor, na louça peniqueira, mas sim, e tão-só, para quando passo a graxa na cara, alongo as pestanas com o rímel e transformo o pato em cisne... hah, desculpem o exagero. Reformulando: quando transformo o cisne em cisnão. Passo à frente do bicho e lá se vai a sintonização para o pandeco, lá vem o tal ruído fchhh, parece a chuva, que não é certamente, porque a chuva não bate assim.
Também sofro nas lojas, designadamente à saída, porque apito. A frequência com que me acontece é tal, que já tenho mesmo um discurso preparado para a ocasião, tipo os Oscars. Digo assim: "Eu sei que sou eu. É que eu apito. Acho que é dos dentes". Eles não sabem nem sonham, mas é a mais pura verdade o que lhes estou a dizer naquele momento: como ainda sou do tempo da amálgama de prata e sei lá que mais poluente se punha nos dentes para tapar as obturações, julgo eu que é isso que irrita para lá os alarmes todos. Ou então, é também o meu campo, o tal que eu não vejo, mas que sinto, tal e qual aquela dor que se tem, mas ao contrário, porque esta sente-se.
E apanho choques nos carros. Já sei que toda a gente apanha, mas garanto que eu apanho ainda mais. Porque comigo é sempre tudo em mais, em grande, em bom e em estúpido. Sou capaz, por exemplo, de apanhar na cara de um homem, do qual me despeça com um beijo na cara. Homens que comigo partilham uma viatura, de três, uma: ou vos barbeais em condições, ou vos despedirdes de mim com um aceno de mão, ou me beijais descaradamente em os lábios, com vista a resolvermos, em conjunto, a questão do choque na boca. É que fico electrocutada labialmente, ouviram? Depois há outra circunstância, ainda relativamente aos choques: dotada de cérebro, temente à descarga, passei a fechar a porta da viatura empurrando o vidro, ou dando com o pé na porta. Tudo muito bem, sem esticãozinho, muito lampeira, fermosa e não segura, mas certamente calçada, sigo caminho. No entanto, como a descarga não fica feita, e a Karmen é uma cabra do genital, acabo por levar o choque na mesma, na primeira oportunidade que surge ao destino - geralmente, no botão do elevador. Deve ser esta quantidade de electrochoques que faz de mim esta pilha (de nervos, de graça, de talento, de charme, etc., etc.), com o ar mais sereno do mundo. Pois, pudera. 

A mim, que me dava tanto jeito ser esta:

Mulher-Elástica, de Os incríveis

Calhou-me na rifa ser antes esta:

Violeta (cujo super-poder é ter um campo magnético), de Os incríveis

Deslarguei esta frase # 24

Quando bates no fundo do poço, és invadido pela ilusão de que, por esse facto, vais começar a subir, pelo impulso dos pés, e, a pouco e pouco, emergir. Mas isso nem sempre acontece. Há situações que parecem obrigar-te a que, não bastante teres batido no fundo, ainda fiques a esgatanhar por ali, a ver se consegues descer mais baixo. Por isso, quando me dizem: "Deixa lá, já bateste no fundo, agora é sempre a melhorar", fico sempre a pensar: "Olha que não, ainda me falta esgatanhar no fundo".

Diálogos à sombra # 6

assUa-te

Assisto a este diálogo:
- Que porcaria é que estás a fazer? AssUa-te!
- Já me assoei e não saiu nada.

Meto-me nele:
- Não se diz assUa-te, diz-se assoa-te. Assoar escreve-se com O, não com U.
- Mas eu sempre disse assoar.
- Está certo.
- E sempre disse assUa-te.
- Está mal.
- E tu nunca me disseste que estava mal.
- Porque eu nunca ouvi dito dessa maneira à minha frente, senão já tinha corrigido.
- Tens a mania de corrigir o que uma pessoa diz.
- Tenho. Uma pessoa não fala mal a minha língua à minha frente.

Sou uma educadora. Uma chata, mas uma pessoa em permanente ensinamento. 

29/03/2015

Deixe-me encostar no seu Kupi


Ontem deu o segundo episódio do programa Shark Tank português, o primeiro que eu vi.
A última apresentação coube a uma senhora do Estoril, Vera Mayer, do me-lho-ri-o que se possa - caturreira - imaginar. Qualquer pessoa que, alguma vez (esta é para ti, ó Gajo), me tenha dirigido o epíteto de tia de Cascais, sem ter posto os olhos nesta figura, ficaria esmagado pela avassaladora diferença que nos separa, pois Vera é uma mestra, não só na arte de encarnar o papel de titi da Linha, como também de vender a banha da cobra (sem sequer chegar a vendê-la), pois que acredita piamente no seu negócio. Não quero imaginar o fervor religioso de uma pessoa assim. 

Toda a explanação, desde a técnica da fitinha, à confissão de que Ainda não estou a vender e Distribuí algumas unidades com amigos, família, conhecidos, amigos de conhecidos (wtf?), para acabar por confessar que "algumas unidades" foram 1200 (wtf? 2) - o que, infelizmente, não se vê nos vídeos do site da SIC -, fazem dela, senão one business woman, pelo menos one woman show. E depois, ingénua ou ardilosamente, explica que gastou 20.000 (wtf? 3) euros na concepção do produto, profere frases como Gastei muito tempo e tive que pensar muito, responde à pergunta E tem sistema anti-chamas?, com um simples Se os queimarem, blagh... (wtf? 4), para, no final, lhe oferecerem 100.000 euros por 100 % do negócio, que não vale a ponta de um genital, e ela dizer que... Não (wtf? 5), o negócio é meu.

E termina com Este produto está em explosão.

Bum.

WTF?, elevado à sexta.

Se não viram, não percam o visionamento da apresentação. Vale muito a pena, quanto mais não seja para tentarmos perceber como é que o programa se vai encher de gente estranha, que vai lá, básica e estrategicamente, vender, com 100 % de lucro, um negócio completamente ficcionado. Ou muito me engano - o que, como ao outro acontecia, raramente me acontece. E nunca tenho dúvidas, também.

O pessoal da rabanada # 2

voltou a alapar o sofá, com a mesma gana com que alapou o ginásio em Janeiro. Prepara agora o alargamento dos quadros traseiros, em posição de decúbito dorsal, com vista ao enfrentamento do areal, em gloriosa harmonia com a paisagem reinante. Em Carcavelos.

(Nem me quero lembrar de uma ida a Carcavelos, o ano passado, em plena onda - a única que houve - de calor, em que o perímetro da minha toalha foi tantas vezes e tão brutalmente violado, que acabei debaixo de um colmo, a emborcar um jarro de sangria a meias com outra alma semelhante, pelo que me ficou apenas na memória que Carcavelos é bonita e difusa ao cair da tarde. A tarde caiu, eu nem por isso, escadas acima, embora desconheça como não)

Tal como eu previa, a ocupação voltou ao normal - 30 % das máquinas ocupadas, um descanso, uma higiene. 
Só não adivinho os números do Euromilhões, de resto, é o que se vê.
Mas, como não há bela sem senão, um destes dias sou capaz de falar sobre o tipo de frequência que tem um ginásio low cost, se tiverdes paciência para ler a descrição de um prostíbulo masculino em hora de ponta, com direito a olhares Tia, não disfarces mais que estás maluca com esta musculatura toda e tudo, a acrescentar ao homérico esforço da minha parte, para além daquele que deriva dos pesos que puxo e empurro, em manter uma de duas posturas: 1 - Eu cá tenho 20 dioptrias, até podias ser o Ryan Gosling, que eu não te via na mesma (sou tão exagerada, se fosse o Ryan Gosling, nem que eu fosse invisualinha, via o menino, pois claro que sim); 2 - Granda porco - passo a expressão -, metes-me cá uma noja, mas, infelizmente, a esmerada educação que recebi não me permite dizer-to textualmente.


(Já não sei de onde é que gamei esta imagem, sórri, ya? Sei que foi da netinha)

28/03/2015

Transparente

Não sou sempre boazinha, e tenho dias assim, hostis. A noite cai de repente, e isso é tão agressivo, que me rebobina o dia, desbobinando-o, tão azul, tão pouco azul. 
Hoje tive, desde todo o sempre, sono. Tomei mais cafés do que é costume, mas ele não me largou, amarrando-me. Devia ter adormecido de manhã, era o que era.
Fraquejo, por não me apetecer estar onde estou. 
Três mulheres - a mulher, a filha e a neta - de um homem, fazem visita. A filha nunca mais se cala. Fala ininterruptamente durante duas horas, acerca de nada e também de coisa nenhuma. É incrível a capacidade que algumas pessoas têm de expelir tantos outputs, directa e inevitavelmente, para uma fossa. Dou por mim a falar alto, Será possível que a mulher nunca se cale? Ninguém me ouve, porque estou a ficar transparente, e, provavelmente, também muda. O homem está morto, mas tem os olhos abertos. As outras duas estão vivas, mas devem ter os olhos tapados.
Ao fundo, duas senhoras não fazem qualquer intenção de disfarçar que falam de mim. São as mesmas duas a quem ouvi uma vez comentarem a altura do meu vestido. Nesse dia achei graça. Hoje a graça que dou é pela minha transparência. Não sou neta delas, não tenho que respeitar a opinião delas quanto ao tamanho das minhas saias nem quanto ao tamanho do meu enfado, que elas não conhecem.
Mas vim de calças, agora venho sempre de calças. Há um senhor, de cadeira de rodas, que monta guarda ao meu lado, esteja eu onde estiver ali dentro. Não lhe sou nada, não vou ser-lhe nada, queria que me deixasse em paz com o seu olhar fixo e as rodas da cadeira, sempre à minha volta. Só falta fazer círculos. E pedir-me em casamento.
Mais ao fundo, há um outro que faz da mão pala - a sala está cheia de sol - e fica a observar-me à distância. Apetece-me fazer-lhe uma careta e perguntar-lhe se nunca viu.
Estou farta de ser tão opaca e de dar os meus sorrisos a toda a gente. Hoje queria ser só humana e fraca e também transparente. Não quero receber sorrisos de volta. Tenho tanto sono que me encosto à minha mãe. Preciso de mimo e quase me deito no braço do maple.
Ela sente o meu calor e adormece, criança. 
Eu continuo acordada e nunca deixo de ser mulher.

Isto põe-me nos cascos, que quereis? # 2

A confusão entre os verbos estar e ter.
Já estou um bocadinho nervosa, só de pensar nisso.

E sei o que é que vou "ouvir" no fim deste post: que foi a linguagem desinteligente, usada nos sms, que teve "a culpa" de toda a gente escrever esta grande pérola do novo léxico, aplicada, qual golpe baixo, a meu cérebro, via olhos, que é 

(um pouco de ribombar, que é para dar algum suspense)


Eu tive doente dos meus nervos.

Eu tive na escola.
Eu tive nessa aula.
Eu tive atento à matéria.
Ou tive a dormir, não sei bem.

O verbo tar conjuga-se mais ou menos assim, acho eu:
Eu tô, tu tás, ele tá, nós tamos, vós tais, eles tão;
Eu tarei, tu tarás, ele tará, nós taremos, vós tareis, eles tarão;
Eu tive, tu tiveste (ou tivestes? ou tives-te/s?), ele teve, nós tivemos, vós tivesteis, eles tiveram. 

Raios e coriscos, lá diria o outro. Então, mas o verbo tar confunde-se com o verbo ter, nalguns tempos verbais... talvez seja porque o verbo tar...

(vá, só mais um niquinho de ribombar, que eu ainda estou muito nervosa)

o verbo tar não existe, genitais!

Eu sei - reparem no quão permissiva eu sou, que até sei as coisas modernas - que escrever tive é mais rápido do que escrever estive. Isso, até admito que faça quem já tem os polegares atarrachados, por mandar quinhentos mil, setecentos e oitenta e dois sms por dia. Não percebo que faça quem já tem para cima de, vá lá, uns 25 anos (e estou a ser tão generosa, mas não me livro deste defeito) e tenha, digamos, responsabilidades profissionais, mas ainda se dê à lata ao descalabro ao desplante ao descuido de escrever Eu tive nessa reunião e pareceu-me tudo ok.
Pareceu-te tudo ok, porque nem para o que escreves olhas, nhurro.

Até me apetece tornar-me aleatória e começar a trocar a ordem dos dois, à bruta: Eu estive uma branca no teste; Eu estive má nota a português; Eu estive um trauma com as aulas de português. 
Então, não era bonito?

Eu estive um filho.
Eu estive gripe.
Eu estive gordura no cérebro.
Eu estive que ser operada à minha próstata.

Hã? Lindo. Eu gosto.
Fico nervosa, mas aprecio.
Adeus.


27/03/2015

Blind date | Tertúlia literária | No sex and the city

Ó pá, eu não sei como é que vou fazer isto sem parecer o que não é.
Ando há quatro dias insuflada de alegria, mas parece que me inibo de explicar porquê, tão preciosa é a minha informação. 
Não estou grávida. Ou melhor, já não estou grávida.
Estive grávida durante uns dias, sem ter dado por isso - e nasceu-me uma amiga nova, quando eu menos esperava. Já não tenho idade para estas coisas, agora cá novas amizades. As amigas são as do liceu, as duas que ficaram - ou uma só, na verdade-verdadinha -, as da faculdade, que fazemos comadres, que tão caras nos são que até as queremos para "parentes", e depois, só uma ou outra, mais raras, quase únicas, quase inexistentes. 
Já devia ter percebido, pela chegada da minha Sister V. à minha vida (desculpem o possessivo repetido, mas aqui não há como não fazê-lo. A Sister é minha, a vida é minha), que, em todas as épocas, nos pode aparecer uma nova pessoa querida - até mesmo aos 84 anos de idade.
Foi o primeiro blind date dela, sendo que, quanto a mim, já-lhes-perdi-a-conta. Ela virgem, portanto, eu cheia de sabedoria e experiência. Mesmo assim, não estava à espera da gigantesca surpresa que foi o nosso encontro.
Combinámos no restaurante da minha adolescência, onde não ia há tantas décadas, que é um mistério perceber como é que, assim como eu, ainda se mantém de pé. Trocámos impressões quanto à indumentária - Eu estou de saia bege e casaco preto, Eu estou de saia preta e casaco bege. E encontrámo-nos no alto das escadas. Abraçámo-nos como velhas amigas, e explodimos, de gajedo puro.
Ai, deixa-me olhar bem para ti!
Ai, tu és tão gira!
Ai, tu também és tão gira!
Tão chique!
E tu!
E escreves tão bem!
E tu também!
Olha lá, tens a certeza que és tu que escreves aquelas coisas? Assim tão gira?
Mas e tu? Também escreves aquelas coisas?
E depois tivemos um encontro, na verdadeira acepção da palavra - um encontro. De felicidade, de alegria, de boas ondas, de boas vibrações, do verdadeiro prazer que foi ter conhecido e ter metido logo dentro do coração esta pessoa, que é uma enorme força da Natureza, gira (uns olhos cor de âmbar, sempre a rir, sabem?), bem falante, com uma escrita absolutamente singular, e, no entanto, suficientemente humilde para entender que ainda há terreno para desbravar, que a perfeição se atinge um dia, mas que há um caminho a percorrer - e sem dramas por esse motivo, sem pressas, sem desilusões, sem comparações, seguindo, tranquila, sabendo que chega
Era haver mais gente assim no globo e teríamos uma esfera perfeita. 

Querido polvo

Ela é aquele querido polvo de cujos tentáculos nunca escapamos completamente, mas nem no mais íntimo dos nossos corações desejamos que tal aconteça.
Doddie Smith (1896-1990)

Esta frase - e, mais tarde, a vida - deu-me a certeza de que deveria nascer mais um par de braços a todas as mães, de cada vez que lhes nascesse um filho. Se essa necessidade não se sente com a mesma premência aquando do nascimento do primeiro, já o mesmo não se pode dizer em relação à chegada do segundo, terceiro e seguintes. Ninguém faz uma ideia, por alto, até ao dia em que se vê com duas crianças pequenas nos braços - literalmente -, que são só dois, o que é o simples atravessamento de uma rua, ainda que uma delas vá sentada num carrinho. Então, raciocinemos juntos: e com três? E com quatro? Se todos tiverem idades muito próximas uns dos outros, qualquer saída à rua, ainda que seja para ir ao parque infantil, ainda que ele fique a cinquenta metros, e ainda que metade dos filhos vão sentados num carrinho gemelar, obriga a uma estratégia verdadeiramente militar, aliada à conjugação óptima entre as condições climatéricas, as horas das sestas, as horas das refeições, as horas do chichi-cocó, o raro momento em que estão todos vestidos e calçados, em que todos os chapéus estão postos nas cabeças e em que está pronta a mala de viagem que é necessária, com água, pacotes de leite, bolachas, biberons, chuchas lavadas, toalhetes, fraldas de emergência, lenços de papel e também o camandro, tudo conjugado para transformar uma simples saída com a duração prevista de uma mísera hora, numa viagem pelo espaço de duração ilimitada, completamente dependente da boa vontade, do esforço, do humor, do clima, dos astros, do acaso, do azar, das bruxas, e de todas as coisas visíveis e invisíveis que possam determinar, em décimos de segundo, o sucesso ou o abortamento do passeio.


Portanto, cada filho, mais um par de braços. Uma mãe com quatro, seria uma espécie de polvo, sim. Os polvos têm oito tentáculos, sabiam?
Uma mãe com cinco, seria assim como a deusa hindu, Durga, com dez braços.
Mais filhos, mais braços - acho que já perceberam a minha ideia.
Ah, e os pais, coitados, ficavam de fora dessa equação?
Pois que não. Aos pais, também nasceriam braços, aos pares, em função do número de filhos que tivessem. Isto teria mesmo uma dupla vantagem: a que já expliquei e a de resolver, de raiz, todos os problemas de impugnação e investigação da paternidade. Ah, não sou o pai. Pois, não serás, mas esse novo par de bracinhos que aí tens a nascer diz o contrário, Pinóquio. Pumba.
Aliás, eu até acho mais: aos pais - homens - até deveria crescer a barriga, durante a gravidez dos filhos, na mesma proporção que cresce a das mães dos filhos que são deles. Já não haveria cá merdas com Eu cá não sou o pai, nem com É claro que é teu filho, então haveria de ser de quem? Do padeiro, não? O padeiro, de uma vez por todas, ver-se-ia obrigado a assumir a paternidade das crianças todas da aldeia, porque a sua barriga, caso fosse ele o pai, não pararia de crescer. Pumba.

Diz que vai aumentar

a temperatura, em 10 graus *, nos próximos dias. Ontem li que eram as mínimas que iam subir para 10 em algumas zonas do país (que não há-de ser aqui na capital, sorry, nós por cá já temos a mínima aí estacionada há umas semanas largas).

Eu quero mais acreditar na primeira versão. O triquini do meu coração ainda aguarda, novo e virgem, que eu o estreie, num qualquer areal destes arredores, incendiando a praia toda, tamanho é o arraso que esta piquena peça (acho que não troquei as vogais) vai provocar. A peça, não eu. 


* E a subtileza (ou azar do genital) do título CM - Temperaturas sobem 10º na Semana Santa, hã? Fui só eu que vi ali um piquinho de pepper? Uhhh.

26/03/2015

Vou expelir um mantra

Estou farta do pessoal que pede orçamentos.

Diálogos à sombra # 5

a-DIU

Vamos pelo vendaval, lanchar, os dois. Os catorze anos dele não lhe permitem aproximações físicas nem manifestações afectivas públicas, quando em casa são tão frequentes os abraços e os beijos. Lembro-me (também porque o escrevi, mas não só por isso) de um diálogo que tivemos há seis anos, numa altura em que ele quis comprar uma bateria. Tínhamos visto, nesse dia, uma, à venda, que custava 600 euros, preço reduzido dos 900 iniciais.

- Mãe, quero-te dizer uma coisa.
- Diz lá, filho.
- Eu vou juntar dinheiro para comprar uma bateria.
- Para tocares onde?
- Cá em casa.
- Nem penses. Só se eu estivesse doida. Ou melhor, mesmo não estando, fico logo. Entra a bateria e saio eu.
- Isso não, mãe. Eu não consigo viver sem ti.
- E há os vizinhos. No fundo, os vizinhos são os grandes culpados por tu não teres a tua bateria.
- Vamos morar para outra casa.
- Boa. Uma vivenda com jardim.
- Não, uma casa de madeira, em cima de uma árvore, ali no meio da nossa rua.
- Então, e tu tocas bateria, e eu, o que é que faço?
- Tu lavas roupa.
- Boa ideia. Começa mas é a juntar o dinheiro para a tua bateria.
- Mãe, tu és tão linda e querida que, se eu fosse mais velho, casava-me contigo.
[pausa do abraço]
- Este é o nosso momento "Tragédia da rua das Flores" [eu já dizia coisas esquisitas, há seis anos].
- Não digas nada ao pai.

Agora caminhamos lado a lado, escondo as mãos nos bolsos que não tenho, para não cair em tentação de lhe dar a mão, a atravessar a rua. Faço pior: dou-lhe o braço e encosto-me toda a ele.

- Vamos fingir que somos namorados.
- Não, eu sou muito mais novo do que tu.
- Preconceituoso.

Está vento a mais para a esplanada, enchemos duas caixas de bolos e voltamos para casa. Sentados à mesa, leite para ele, limonada para mim, lanchamos sozinhos, tão acompanhados, e voltamos ao nosso primeiro encontro, há quinze anos atrás. Ele conhece os pormenores do DIU, da falha do DIU, da retirada do DIU com ele cá dentro. Ri-se, mais uma vez, da partida que acha que pregou ao destino, pela enormíssima improbabilidade de que resultou a sua concepção, monta uma história em que ele, sob a forma de espermatozóide, super-herói, ultrapassa todas as barreiras que se lhe apresentam, enfrenta o grande monstro DIU, e termina:

- E depois, disse assim ao DIU: a-DIU...


Anda comigo ver os aviões

Quanto é que vale uma aposta em como, lá, como cá, a culpa pela queda de mais um avião vai morrer solteira? Refiro-me ao Airbus A320, alemão, que caiu nos Alpes, na terça-feira, com 150 pessoas a bordo. 
Os mortos não se podem defender, as caixas negras vão denunciar aquele nada do costume, o piloto adormeceu, o copiloto tinha ido fazer chichi - ou então, cocó, também serve -, um dos dois era inexperiente, o outro era cardíaco e foi acometido de doença súbita, um quis-se matar e não arranjou melhor oportunidade para o fazer, vai na volta e, com jeitinho, os passageiros também tiveram algum grau, ou grão, de culpa na queda do avião (conforme se sabe, os passageiros são uns insubordinados, designadamente quando se apercebem que a porra do avião onde estão metidos vai cair), os mortos não se podem defender, não sei se já disse, a culpa vai morrer solteira - isto, acho que já disse -, mesmo que os pilotos não fossem solteiros, nem nenhum dos passageiros fosse solteiro, a culpa, essa, morreu. Virgem e tudo.

25/03/2015

Diálogos à sombra # 4

Dia da Defesa Nacional para uma boneca minha.
Saiu de manhã, feliz e contente, a rir com os olhos, daquela forma dela, que não sei como é que lhe ensinei. Previsão de terminus, 17 horas.

Às 15:42 começam os sms:

Acho que às 16 estou despachada!
Fizeste alguma, para já estarem a correr contigo? :D
Não, eles é que foram mais rápidos... Acho que ainda temos que ir fazer não sei o quê com a bandeira, antes de, finalmente, nos libertarem
Juramento de bandeira :P
Deve ser... Cenas de militar
Formiga a jurar bandeira. Selfie é que era!
Acho que não seria apropriado x)
Mas era lindo :) Não tentes, claro.
Não o farei
Tão adulta, não sei a quem sais assim :)
Ao meu pai :))))
Logo vi :P
Ehehe

Tenho uma nova profissão

Mudam-se os lugares, mudam-se os hábitos.
Não me deixavam arranjar as unhas à minha mãe. Nós encarregamo-nos disso. Como se alguém, que não eu, pudesse limar de amor, pintar de cuidados, pôr brilho de luz, nas unhas da minha mãe.
Os dias a passarem, as unhas tristes e sem cor. Na sala, não pode fazer isso. É onde estão os outros utentes.
A memória leva-nos para lugares incríveis, e lembrei-me de um maricas - que não era exactamente maricas -, que tinha gabinete ao lado do meu, e que ficava tonto e incomodado com o cheiro, de cada vez que eu pintava as unhas, na casa-de-banho, sete metros dali distante. Também achava que eu tinha um parafuso a menos, desde o dia em que me empoleirei de uma cadeira para ir roubar as persianas do gabinete do chefe, uma vez que tinha acabado de partir as do meu próprio gabinete. Mas era Verão, a altura do vestido era incompatível com a altura da cadeira, e ele, para variar, não podia subir a ela - também devia ficar tonto com as alturas - e preferiu ficar lá em baixo, a ver-me soltar os parafusos das persianas do chefe, pelo que há-de ter pensado que um deles se havia soltado da minha cabeça.
Também já não vou para nova, e deve ser por isso que a memória me põe a misturar assim os assuntos, tudo isto por culpa do cheiro do verniz. 
Cheguei lá hoje toda cheia de vento. Parêntesis para dizer que o vento me tem lavado tanto, bem mais eficazmente que a chuva. Pus-me a pensar que não há nada mais saboroso que um homem a cheirar a vento e até me ri sozinha das peripécias que o olfacto e a memória, em mim sempre conluiados, para o bem e para o mal, nos fazem reviver. Estou tão velha, e esta fase é tão boa.
O caminho foi feito num barco à vela, em mar de asfalto. Não há, no país todo, estrada mais ventosa - avisos por todo o lado, as mangas de vento rígidas, na horizontal, o carro a abanar, aflito.
Hoje não houve oportunidade para mais ai-ais, levei a minha mãe para um canto de sol, e ali, banhadas as duas pela luz que doía, entrelaçámo-nos os dedos, falámos em metáfora, como desde sempre, És tão linda, Gosto tanto de a ter aqui, só quem entende metáforas como nós nos entendemos, é que alcança a dimensão e a lonjura deste diálogo, mas que é que isso me importa, se nós nos entendemos, porque nos sabemos desde muito antes de nascermos as duas?
De volta à sala, pontilhada de cabelinhos brancos, anuncio sem pudor - há-de-me faltar o tal parafuso que parecia solto das persianas do chefe, Sou a nova manicure desta casa, apreciem a qualidade do meu trabalho. Muito risonhas, Então e quanto leva?, Cinco tostões a cada uma, Mas o tostão já não existe, Pois não, são cinco beijinhos e não se fala mais nisso.
Se calhar, devia comprar material, vernizes de cores, e também o transparente, que dá brilho. E encarar essa despesa como um investimento num negócio muito lucrativo, pago em beijinhos, todos brancos e feitos de luz, que o vento levo-o eu comigo, e trago-o comigo de volta. 


Conhecem a Roxxxy?


É uma boneca-robô, mas não é dessas que estão a imaginar, porque não é insuflável. Ou seja, não serve para substituir o colchão de campismo. No entanto, é útil para o mesmo fim, e também para aquele outro - embora secundário - para o qual se destina qualquer sex doll.

Eu bem me parecia que a cara dela não me era estranha.

24/03/2015

Pá, Porca, como é que tem sido na rua, nos últimos dois dias?

Oh, estou a adorar, não está bem de ver? Parece que estamos em Dallas.


A história da chave não está fechada.

A chave não era de ouro.

Ando com saudades (minhas) deles: do Carlos Eduardo e da Maria Eduarda.
Apesar de ambos serem moradores em Chelas, o rapaz havia nascido na Maia, mas eu não cheguei a referir isso. Ela, de alguma intrincada maneira, também. 

E quem melhor do que uma mulher do norte, carago, para continuar a saga dos maiatos (não foi fácil lá chegar, mas é a designação correcta, tá?)?

Sister V., chamada à tecla, para o Capítulo XI!

Trailer - Palmier Encoberto
Prólogo - Xilre
Capítulo I - Calma com o andor
Capítulo II - Dúvidas Cor de Rosa
Capítulo III - A Mais Picante
Capítulo IV - Mirone
Capítulo V - Pasme-se quem puder
Capítulo VI - A Uva Passa
Capítulo VII - Kiss and Make Up
Capítulo VIII - Amor Autista
Capítulo IX - Talqualmenteoutro 

Alegoria do bichano mijão

Era uma vez um gato.
Como todos os gatos, marcava território, em todos os cantinhos da casa. Todos.
Ia a um cantinho, fazia uma mijinha. Ia a outro cantinho, outra mijinha. Depois mais outro, mais outra. E, assim, sucessivamente.
A dona do gato, pacientemente, ia limpar as mijinhas do gato, à medida que o gato as fazia, nos cantinhos todos da casa. E o gato voltava a ir aos cantinhos todos da casa, e fazia uma mijinha em cada cantinho.
Mesmo que a dona do gato criasse cantinhos diferentes, dentro de casa, o gato ia lá e mijava-lhe os cantinhos novos. Todos.
A dona do gato pensou em pôr o gato fora de casa, deixando de o tratar bem. Porém, não o maltratava, por ser uma senhora muito bem educada e amantíssima dos animais, vegetais, cereais e todas as coisas vivas que tais.
Mas o gato não se importou com a diferença de tratamento, não pareceu sequer ter dado por ela, e permaneceu - mijando-lhe todos os cantinhos da casa.

- Fim - 

Eu tenho problemas com ladrões # 2

Não, não é Murphy: sou eu. 
Também não é a bitch Karmen: sou eu. 
Eu atraio. Eles vêm ter comigo. Querem-me a mala. 
Queres-me a mala. - É sempre meu primeiro pensamento, quando os vejo chegar.
Dá-se que a pessoa pouco frequenta o metro. Já teve fases, agora não está numa.
Não vale a pena discorrer aqui sobre os estudos antropológicos que se podem fazer nas várias estações do metro por onde vamos passando. Regra geral, a conclusão é a mesma. De duas, uma: ou tudo o que é gente que faz um incomensurável esforço por se vestir descontroladamente, em termos de padrões e cores, qual manta de patchwork, se enfia metro adentro, ou aquilo é uma amostra do povo português, impurificada pelos meus olhos puros, uma espécie de crème de la crème, essência, substância, seiva daquilo que somos nós. O povo português faz gala em apresentar-se agressivamente mal.
Está uma carruagem cheia de gente, eu sentada num banco, a meio dela, e entra um homem e uma mulher, aparentemente nada um ao outro, e sentam-se - ele, à minha frente, ela na minha diagonal esquerda. Basta-me tacar os olhos nos dois para perceber: 1 - São ladrões; 2 - Pertencem-se; 3 - Querem-me a mala; 4 - Eu também me quero a minha mala. 
Ora porra. Temos interesses descoincidentes.

São muitos anos a virar frangotes. O perfil do ladrão dos transportes públicos é sempre o mesmo. É parecido com o perfil do ladrão do centro comercial, mas menos refinado. Um dia, tiro uma fotografia aos dois tipos, só para mostrar aqui. O dos transportes é magro, agarrado, está sempre nervoso, vem sempre acompanhado por outro e usa óculos de sol. E é isso que o denuncia, antes de qualquer coisa. Assim como o do centro comercial: 

Óculos escuros num sítio público fechado = ladrão. 

Fixem, que eu não duro sempre. Ainda que vos pareça que ele anda sozinho, procurem no perímetro, que está outro semelhante, com toda a certeza absoluta. Faz parte do esquema: um saca, passa ao outro; se alguém der por isso, é o primeiro que está na mira da multidão, já o outro leva o objecto bem longe. Já vi isto acontecer tantas vezes, já fui abordada tantas - mas dezenas! - de vezes, com este esquema, que já os topo em segundos.
E nunca, nunca, fui roubada. Basta que eles percebam que nós já percebemos, para desistirem.
Com estes dois, bastou-me olhar para um, olhar para o outro, pousar as duas mãos na mala, que estava no meu colo, e desatar a tamborilar as unhinhas vermelhas em cima da malucha. E não desviar os olhos dos óculos de sol do magano que tinha à frente. Fogem que nem ratos. Uns meninos.
Nisto tudo, assustador, e também misterioso, é: que olho de lince têm eles, que dispara a partir da plataforma, para entrarem na carruagem e irem direitinhos a mim? E não, não é por acaso: eles topam as malas no momento em que estão parados, na estação, e escolhem o alvo a partir daí.
Querem-me a mala. Hah.

23/03/2015

Momentinhos loiros que eu tenho, em média, um por dia

Nos últimos dias, vários.
Lembro-me destes 3:

Momentinho 1 - Contam-me que um homem foi apanhado, no aeroporto do Dubai, com 2 (dois) gramas de marijuana, o que dá uma pena de 4 anos de cadeia. Pergunto, muito matemática: 
- Porquê? São 2 anos por cada grama?

Momentinho 2 - Tiram uma laranja cheia de bolor, do frigorífico. Mostram-me a laranja, aconselho a que a deitem fora, não vejo que o façam, e pergunto, preocupada:
- Deitaste fora a laranja?
- Não. Voltei a guardá-la no frigorífico.
(É que ainda há quem me responda, parecendo que não)

Momentinho 3 - Dizem-me que hoje comeram os melhores chocolates de sempre: frutos do mar. Exclamo:
- Ai que nojo. Frutos do mar?
(Porque a imagem mental foi esta)

(Envolvidas em chocolate)
(É claro que não encontrei imagens na net. A minha cabeça é muito mais retorcida do que uma internet inteira, muáháhá)

Deslarguei esta frase # 23

A ironia fina, às vezes até um pouco intimista e a tocar as raias da ternura, é uma arte que só a inteligência permite praticar. Quando esta última falha, qualquer tentativa da outra se transforma num discurso de fel, sem objectivo nem objecto, que tem como consequência última o próprio envenenamento de quem o profere.

A morte da sogra

Este assunto é delicado, no fundo. Porém, a delicadeza é um dos meus muitos predicados, um verdadeiro fenómeno que me afecta para aí de três em três minutos, pelo que sigo em frente, tranquila. 
Aqui há uns anos, pelas bodas de Santo António, a mãe de um dos noivos morreu em plena cerimónia dos casamentos. O facto foi de grande constrangimento, não só pelo trágico acontecimento, como também pela estratégia a que obrigou a Câmara de Lisboa, na remoção do corpo e, depois, com o cancelamento da cerimónia propriamente dita. Tal só não chegou a acontecer, porque o próprio noivo, filho da morta, recusou-se a estragar um dia tão importante como aquele, por causa do inesperado falecimento da mãe. Também acho, haja decência. Que raio de hora para se lembrar de morrer.
A cena está magistralmente descrita no livro Adopta-me da (eu dizia-vos "minha amiga", porque é verdade, mas depois ainda me chamam cagona ou coisa pior, portanto, não digo) Maria João Lopo de Carvalho (Oficina do Livro, 1.ª edição, Abril de 2004, pp. 127/134).
Foi esse episódio que me revelou, qual iluminação divina, uma grande teoria, a reter: é ou não é verdade que a morte da sogra deveria fazer parte integrante da cerimónia do casamento? Imbuída daquele gigantesco espírito de abnegação que se quer numa boa sogra, a senhora, a dada altura da boda, faleceria, por sua auto-recriação, assim como fez aquela outra dos noivos de Santo António, em nada beliscando o decorrer das festividades, menos ainda do ambiente de celebração amorosa de que se devem investir todos os casamentos.
Toda a gente tem uma sogra. Ou, se não tem, deveria ter, que era para não andar cá a chatear meio mundo com frustrações e porras, porque a idade de ter filhos já era, ai que entretida andei estes anos todos a afirmar(-me) que os trinta são os novos vinte, e os quarenta são os novos trinta e ai-ai-ai, quase com cinquenta e não tratei do assunto filhos, sinto-me com trinta, pareço ter trinta, pelo menos é o que me diz o espelho todos os dias, socorro, nem pai para eles, quanto mais agora filhos.
Bom.
Uma sogra faz uma falta do caneco. Uma sogra, uma boa sogra, A sogra por excelência, é sinónimo de marido, companheiro, namorado, amigado, junto, amigo às corzinhas, tantas coisinhas boas acopladas à boa da sogrinha.
Só que uma sogra também é uma pessoa que se mete. Mete-se na nossa vida, na vida dos nossos filhos, na vida do filho dela - que calha a gostar de nós, ó defeito imperdoável que o menino tem, mesmo até aos olhos de uma mãe!
Assim, morria no dia do casamento do filho e não se falava mais nisso. Não chegava a ser sogra, na verdade. Poupava-se uma trabalheira em mal-entendidos, mau ambiente, más caras e maus olhados.
Aparte para explicar que não estou a falar da minha sogra, mas em sogras, enquanto conceito geral. Já não possuo minha rica afim no primeiro grau da linha ascendente, para que saibam. Portanto, não é de rancor pessoal que falo, e sim das sogras todas do mundo inteiro, brancas, pretas, qualquer cor.
Provavelmente, alguém me aparecerá aqui a perguntar por que é que só considero sogra a mãe do elemento masculino do casal. Ó pá, porque sim.
Ou então, alguém me perguntará: E se for um casal gay, qual das duas é a sogra, em teu douto entender, oh Porca? Eu respondo já: as duas. Há que falecerem as duas na boda. Duas coelhas naquela cajadada, uma coisa em grande, duplex, simplex.
Capaz também de alguém se assomar com a inteligente pergunta: Olha lá, Porca miséria, e se for o teu filho a casar, como é que te governas com a tua teoria? Errr... é verdade. Puxa, genitais, nunca serei grande nesta vida. Todas as minhas magnânimas teorias escorrem para o ralo da pia infecta, rebatidas por mim mesma. É que nem chegam a ir ao crivo das sumidades. 
Eu não quero morrer.
Afinal, é mentira. Mudei de ideias.
Esqueçam tudo o que eu disse para trás. Atirem lá para trás. Oiçam apenas a melodia.


 

21/03/2015

Capítulo X

Canto (não cantado) X:

A ilha dos amores *

Trailer - Palmier Encoberto
Prólogo - Xilre
Capítulo I - Calma com o andor
Capítulo II - Dúvidas Cor de Rosa
Capítulo III - A Mais Picante
Capítulo IV - Mirone
Capítulo V - Pasme-se quem puder
Capítulo VI - A Uva Passa
Capítulo VII - Kiss and Make Up
Capítulo VIII - Amor Autista
Capítulo IX - Talqualmenteoutro

Acordou em menos de nada, de tanto não conseguir pegar no sono. Olhou à volta, percebeu o silêncio da noite no acampamento, avistou a velha a fumar cachimbo à entrada da barraca do fundo, espreitou o panelão, onde a chave ainda navegava como uma âncora, pensou levá-la, assim pensou, assim não fez, Caguei na chave, e até se riu um niquinho da própria piada, afastando-se pela noite. Meteu-se num táxi, meteu-se em casa, meteu-se a fumar. Que dia de cadela. 
Um pensativo cigarro, dizia-lhe o João, quando a via assim, de pipa na boca, a meditar na vida. Dois pensativos cigarros, três pensativos cigarros, contava-os como carneirinhos, como quando não somos capazes de dormir e, depois, às quinhentas, e pelos quinhentos, já são os cabrões dos carneiros, feitos bodes, que também não deixam.
João dormia o sono dos condenados, como sempre. Que coincidências que a vida nos prega, mais estúpidas que partidas, nem ela nem ele algum dia haviam atravessado as trevas de uma noite completa, praticando o outro sono, o dos justos, que até os injustos são capazes de cumprir. Que desperdício de dinheiro aquele, se tivesse sido gasto na cama lá para a Moviflor antes da falência, não fora ter sido oferecida de uma tia por afinidade sabe-se lá de quem, morrida de caruncho em cima daquelas mesmas tábuas.
Era assim, o seu João Carlos, na verdade só Carlos, na verdade Carlos Eduardo, nomes desde sempre trocados pelas brigas da bêbada da mãe com o doente mental do pai, Há-des pôr João ao catraio - Há-des pôr Eduardo - Raio da bêbada, com a mania das grandezas, Eduardo Sétimo, não? - Eduardo, o meu pai - Olha, porra, outro bêbado. 
Meu João, meu Carlos, ainda o via pequenino - ai, era tão magrinho -, a caminho da escola, todo míope, todo trôpego. Chelas, naquele tempo, era a doer, ninguém lá entrava, a não ser quem já lá estava quando Chelas nasceu, erguida do chão, roxa e amarela, verde e azul, com doze andares, como aquele nono onde moram agora os dois. Gritavam-lhe nomes de comida pelo caminho, banana, salsicha, febras, atiravam-lhe pedrinhas fininhas, da brita, que lhe acertavam de raspão na nuca e nos ouvidos, mas em cheio na alma. Transformava-as ele em gotas de água, viu ela vezes a mais, e foi por isso que o adoptou. A mãe tinha-o a ele e mais uma irmã, toda bêbada também, quem sai aos seus, e muito drogada, que andava na vida, nunca tinha tido vagar para mais um, daquele molho de dois filhos que tanto pouco trabalho lhe davam. 
Queres caldo verde, Carlos? 
Havia sempre caldo verde lá em casa, a mãe juntava-lhe muito chouriço, que ela dava a comer àquele pássaro franzino, mas não conseguia engordar nem à força de promessas e preces que não sabia rezar. 
Maria, assim lhe chamava Carlos, Maria Eduarda, assim registada aos dois anos de idade, levava-o pela mão até à escola, deixava-o no primeiro ano onde pertencia por justo direito, e seguia para a sala do último, onde ela própria não pertencia há um ano. Chumbara. Apenas uma vez, mas prontos. Capaz de ser a primeira de algumas.  
Ele, não. Fez a escola toda de enfiada, parecia um rosariozinho a somar pérolas, que orgulho no seu menino, óculos nos olhos quase azuis desde sempre, desde sempre interessado, desde sempre de livro escondido dos predadores do bairro e do vinho da mãe, desde sempre a dizer-lhe aquelas coisas bonitas que ela mal entendia, como a do pensativo cigarro. Tão engraçado, agora um cigarro ter miolos.
Passou a ir ela às reuniões da escola, encarregada de educação daquele menino, que era só mais um de quatro irmãos que ela tinha, que diferença mais um, antes mais um que menos um, Maria Eduarda, mãe do mundo antes de ser mãe. Ouvia a professora, extasiada, O que aqui temos é um diamante debaixo das rochas, que tola, também devia ter alguma doença mental, como o pai do seu Carlos. Louco, raivoso, nunca a suportara, por lhe ter catrapiscado a mãe há uns anos e ela nunca lhe ter metido a trela que ele tanto queria usar. Dizia ela. Ainda bem que não havia cedido, só se estragou uma casa. 
Aquele bruto obrigou, depois, o seu Carlos a ir trabalhar para o bate-chapas do compadre, por um triz não o fazendo perder a cabeça de poeta no meio dos pneus e das jantes, e foi nessa altura que ela o levou a passear num dos carros da oficina, agora fechada por falida, como a Moviflor. Já ninguém desamolga carros, vai tudo para a sucata, como nós um dia. Tinha ele quinze anos e ela vinte, ele virgem e ela quase, se não contarmos com aqueles outros tantos, derivado de ser mais velha e não aguentar as cabras das hormonas, mas também do desassossego que tanta mama e tanta coxa, tudo junto em tão poucos centímetros quadrados, despoletavam lá no bairro. Conduzia mal para caraças, mas o carro, um Peugeot 205 azul, de 1983, também não queria colaborar para mais do que fazer de quarto com quatro paredes e um sol a pino a entrar pelo vidro de trás. Foi ali, encostado ao muro do cemitério, mesmo ao pé da Rua das Flores, que o atracou, qual barco que logo se fez ao alto mar e, inábil mas experiente, conduziu Carlos Eduardo ao bom porto, que era o seu. Menino, exausto, adormeceu-lhe no regaço, cheirando-lhe à bata da mãe, que nunca cheirara ao perto, caldo verde que ela nunca havia feito, e ao perfume Si fraiche que Maria pusera em todos os generosos refegos do seu corpo. Que amor tão trágico, o nosso, diria, mais tarde, o seu Carlos Eduardo, todo tão diferente. Que é que tem celebrar a vida assim, colados à morte, se até há pessoas que morrem de morte contente? Ao Peugeot da memória dos dois, passou Carlos a chamar "a ilha dos amores", da mesma forma única que dava nomes diferentes às coisas todas.
Está nestes pensativos cigarros quando lhe surge o amor pela sala, aquela mesma sala da confusão da chave - Vou-te dar um quarto e sala, Maria, vamos para um nono andar do prédio azul - os caracóis no ar, 
Tu não dormes?
E tu, dormes? - passa-lhe a mão no cabelo, sente-o sujo, puxa-lhe a cabeça para o regaço e ele volta a sentir o cheiro da bata da mãe, que nunca cheirou, caldo verde do dela, que nunca provou - Queres caldo verde?
Agora não.
Olha, diz a Jéssica que a gente, para ser alguém na vida, tem que ter uma ranchada de putos, plantar umas ervas e escrever num blog. O que é que tu achas?
Acho que tu devias abrir um blog. Quanto ao rancho, tratamos disso juntos, na ilha dos amores - assim chamava ele à cama herdada da velha carunchosa, in memoriam ao velho Peugeot. Metáfora de metáfora, distinguiria ela, caso soubesse alguma coisa de figuras de estilo.
Liga o PC deitado fora pelo centro social, pousa as unhas de gel no teclado, põe a setinha na barra "criar blog" e põe-se a pensar num título para ele. Não tem assunto nenhum, não percebe patavina de arte, poesia, livros com letras, política, moda, casamentos, filhos... 
Filhos. Amor. Carlos. É isso.
"Introduza a palavra chave".
Chave - digitou Maria Eduarda, no campo do título do blog.

* título inspirado n' Os Lusíadas.

Deslarguei esta frase # 22

Mas por que é que eu não hei-de atirar pessoas e coisas para os rascunhos, se, às vezes, também vou dar comigo toda amachucada no cesto dos papeis? 

O meu momento de poesia



Ides vós pronunciar-vos acerca do facto de que Maria-não-sei-quantas é mais jovem, mais magra, mais loira e mais bela que LP Maria, não ides?
A diferença, meus caros, a diferença está na atitude.
(E na definição da foto, pela qual pouco posso fazer, pois sou fotógrafa de mim mesma e isso, parecendo que não, também conta)
Incha.
Bumba!

20/03/2015

Pensamento escatológico do dia # 10


Desculpem, a sério. Eu não consigo dominar este génio criativo, que me ataca a veia. Até parece que ma transforma numa variz.
Isto era suposto ser um blog com cabeça. Mas olhem, há dias em que não sai nada de jeito. Hoje é o dia.

Já agora, suas lambonas,

faltou-me dizer uma coisa: quando está escrito "Post escrito em parceria", eu leio:

"Pagaram-me para escrever esta merda, o que não quer dizer que acredite em nada do que escrevi, nem sequer que vou usar o que vos estive aqui a empandeirar. Mesmo aquilo que me fizeram experimentar, antes de escrever, não gostei de tudo, mas a vida não está fácil para ninguém, ando aqui há anos a escrever para o boneco - passo o elogio - e não tiro partido nenhum disto, há que saber aproveitar. Parceria, sabem o que é? Acordo, contrato, protocolo, avença, chamem-lhe o que quiserem. A única coisa em que podem acreditar é que me deram um guião, para eu seguir e pôr por palavras minhas, em que tenho que preencher uma série de tópicos, para que o produto pareça mais credível. E é claro que ainda vos vou dizer que não publicito nada em que não acredite. Vou-vos impingir depilações, nunca vos mostrando as minhas pernas, vou-vos impingir champôs, nunca vos mostrando o meu cabelo, vou-vos impingir produtos que vocês até já experimentaram, de marcas totalmente falidas, de péssima qualidade (e caras, mas vocês são tão buddies minhas que nem vão dar pelo engodo), mas, agora, vocês até vão acreditar que aquilo, afinal, é excelente, sabem porquê? Porque sou eu a dizer, e isto, na minha cabeça, funciona como com os mentores daquelas igrejas do dízimo, em que eu digo e vocês fazem, sabem? E, enquanto digo, ou escrevo, acredito tanto naquilo que vos estou a dizer como acreditava aquela senhora do anúncio da Planta, supostamente apanhada na rua, numa prova de sabores, e dizia aquela famosa frase, Eu cá sou uma lambona. É que eu também me transformei numa grande lambona".


19/03/2015

Blogosfera, meu amor, senta aí, vamos conversar

O que é que fazes, quando um dos teus blogs favoritos, que te habituou a textos bons e bem escritos, de repente, se transforma num catálogo do LIDL, e quer impingir aos seus leitores tudo e mais a ponta de um genital como sendo a oitava maravilha do mundo?

Eu, por mim, sinto que caí de um nono andar. À primeira, ainda passa, à segunda, salta fora.

Não se preocupem com a resposta, eu sei muito bem o que é que vou fazer. Isto era só um desabafo.

Porque te sinto tão (A minha) próxima...

Da minha ronda diária pelos blogs, ontem saquei esta gaja do A vida, o amor e as vacas,


e não é que fiquei presa de paixão, assim logo à bruta, à primeira vista, à segunda vista, uma coisa de não me deixar dormir, aquaisi (aliás, nem dormi como deve ser, tamanha era a ânsia por que chegasse a manhã), todo este desassossego drivados da simples roupicha que a... como é que ela se chama?, oh, yes, just like me and all my generation, Maria enverga, coisa tão simples e tão fácil de copiar, pelo que hoje vai, ou foi, de enfarpelar indumentária semelhante. 

Ficámos quase iguais, Maria and I. Tipo diferenças de pormenor de somenos.

Já a escolha da mala foi altamente tortuosa, coisa para me estragar o dia, pois se pouco ou nada tenho variado entre a amarelinha e a preta e branca de coraçõezinhos e ursos - mas recuso-me a tentar perceber, vá-se lá fazer um esforço para perceber as mulheres, que ainda se tem uma desinteria intestinal, ainda bem que nasci mulher, que inferno que eles passam, algum dia aturava uma mulher uma semana da minha vida, quanto mais toda a vida, é só fanicos, é só dramalhões, é só pré, e durante e pós menstru e meno, não há cu que aguente -, por que é que não tenho dado rodagem às outras oito -, isto, se nos focarmos apenas nas boazonas da Tous, esquecendo que já tive épocas de outras paragens, antes de aterrar de cabeça, escavaquei-me toda, nas malinhas dos ursinhos e dos coraçõezinhos, que quereis?, se há em mim uma criança, brlá-brlá-brlá. Só vos digo que acabei optando pela amarelinha, mas apenas porque se me escureceu a alma tão fundo, de falta de azul, de me lembrar destes dois amores que lá deixei outro dia na montra, a rirem-se para mim, pareciam mesmo o Marco, minhas queridas, vais-te embora, mamã, não me deixes aqui, adeus, mamã, pensaremos em ti, eu a chorar para elas, não foi bonito de se ver, é que nem consigo decidir de qual eu gosto mais, como aqueles dois amores do outro encaracolado, e estas nem são uma morena e a outra loira, são as duas boas cumó milho, e faziam de mim a gaja mais gaja da minha rua, que é um beco de três prédios.




É ou não é uma crueldade o outfitezinho da Maria-não-sei-das-quantas sem uma destas grandes fofonas a acompanhar, qual bife com batatinhas fritas? É que nem o ovo a cavalo lhe faltava.

Ai que nervos, sou tão chique.
E pelintra. 
Genitais.

18/03/2015

Não sei se vou querer que amanhã seja dia do pai

É que eu arranjo todos os motivos para me torcer de saudades e já estou a ficar farta de mim.
Estou sempre com saudades. Pareço uma fadista, mas de má qualidade. Rouca, desafinada, de escasso reportório. Estou sempre a cantar a mesma ladainha. 
Queria só lembrar-me das coisas boas e não escrever um rosário de amarguras. 
Lembrava-me só de mim pequena, a dançar em cima dos pés dele, ao som de you are my destiny.
Lembrava-me só de mim média, a contar-lhe as minhas coisas, olhos dentro dos olhos, até ver os dele a rirem-se, até vê-lo rir-se e dizer Dizes tantos disparates, rapariga. Com tanto amor me dizia aquilo que eu até tinha orgulho em dizer disparates. 
(Rapariga. Nunca mais ninguém me tratou por rapariga. Acho que morri)
(Continuo a dizer disparates. Eu não acredito na vida depois da morte, porque o meu pai também não acreditava, mas acho que ele ouve os meus disparates e ri-se. Deve dizer assim: Continuas a dizer tantos disparates, rapariga, e depois até o vejo a rir-se, os olhos todos iluminados de amor)
Lembrava-me só de mim grande, a sentar-me no colo dele, a recordarmo-nos de como, em pequena, não conseguia, vez nenhuma, sentar-me no colo dele sem adormecer em cinco minutos e, passados cinco minutos, estar a dormir no colo dele. Mulher feita, enorme, esparramada, adormecida como uma menina pequena.
Lembrava-me só de mim maior ainda, já a viver noutra casa, a ir vê-lo todos os dias, todos, sem falhar um, a esperar que ele chegasse para poder voltar para casa descansada da tormenta das saudades, que são mesmo uma tormenta, que isto só quem passa por elas é que sabe.
Mas não consigo lembrar-me de nada dessas coisas. Prefiro perder a memória, se é para isto.
Já fiz um homem pai, que comemorou o primeiro dia do pai no mesmo ano em que eu já não comemorei com o meu.
Também já bradei aos céus ao Pai, a pedir pelo meu pai. Tinha eu sete anos e ele estava num coma do qual não saía. A mim ensinaram-me a rezar e eu rezava muito, mas tanto, tanto, que adormecia de joelhos no quarto, com a cabeça deitada na cama. Acordava de madrugada, deitava-me, e rezava mais, até o sono voltar. E ele salvou-se, tal foi o fervor e a quantidade de súplicas que fiz ao Pai, pelo meu pai. 
Lembro-me de mim, de rabo grávido, e ele a dizer O teu rabo está tão grávido, rapariga, a rir-se, a rirmo-nos os dois, todos iluminados de amor. 
Lembro-me de me chamarem, de sair a correr, cheia de vida dentro de mim, a antever a morte, outra vez a bradar aos céus ao Pai, a pedir pelo meu pai, e depois chegar e só ter tido tempo de abraçar a barriga, fim da oração, Pai Nosso, que estais no céu, não me ouviste a súplica, meu pai, meu pai, meu pai...
Lembro-me de procurá-lo, na cara de uma menina que me nasceu, na rua, nas sombras da minha casa, no meu delírio, tantas eram as saudades que tão impossível se tornou suportá-las, por isso ia à casa dos meus pais - agora casa da minha mãe -, atravessava o corredor, esgueirava-me para o quarto deles - agora só dela -, abria o armário, que sabia ainda cheio da roupa dele, e metia-me lá dentro, agarrada à roupa, agarrada a ele, a cheirá-lo, a matar aquelas saudades que eu acho que só eu é que sinto, que são as tais que até no olfacto me dão dores. 
É por estas e por outras iguais a estas que eu não sei se vou querer que amanhã seja dia do pai.
Vou andar o dia todo a engolir perolazinhas de cristal, e isso faz-me dores de garganta, e, dores por dores, já me chegam as outras dores, que são as tais que me dão no olfacto.

And that awkward moment # 2

Em que fazes uma pesquisa por imagens no Google, que envolve a palavra cuecas, e aparece uma fotografia tua, com um ano de idade? 

Já agora, em que a tua irmã também aparece, exactamente no dia em que escreveste um post para ela?


Mana


Éramos tão pequenas, acabadas de chegar ao mundo, eu há cinco anos, tu há seis, e franzininhas as duas, parecíamos ainda mais pequenas, porque éramos. Em doze meses, nascemos as duas, nem sei como é que tu eras tão menos pequena, doze meses é nada, doze meses e três semanas, nem treze tinhas quando eu cheguei. 

Ainda nos estou a ver no recreio da escola primária, minúsculas, ias encontrar-me em prantos num canto, lágrimas grossas a escorrer pela cara, soluços a sufocarem uma mágoa imensa,

O que é que te fizeram, mana?

conhecias-me tão bem como a ti mesma, sabias tão bem que alguém outro, com pouco mais do que o nosso tamanho, me teria feito um mal imenso, irreparável até tu o reparares - e, no meio da asfixia, confessava-te em surdina a minha vergonha e a minha tortura de mamã incompreendida

Foram as grandes que arrancaram a cabeça da minha boneca

Ainda te estou a ver, a saíres disparada na direcção delas

Báááááárbaraaaaa! Dá-me já a cabeça da boneca da minha irmã!

tão minúscula como eu, a atirares-te a elas cheia de raiva e a bateres onde as mãos alcançavam - eu de credo nas mãos e coração na boca

Elas vão partir-lhe a cabeça!

para mim, à escala da idade, partir a cabeça era assim a coisa mais grave e importante que podia acontecer na vida de uma pessoa, porque eu já tinha partido a minha duas vezes. Não sei com que artes, deixavas aquele amontoado de miúdas - ou seriam só duas ou três? - todas arranhadas, e voltavas com a cabeça da minha boneca na mão, tu toda estoirada, ela toda despenteada, tu toda despenteada, ela toda estoirada, e nem um brilho de vitória algum dia te vi nos olhos, só aquele olhar de irmã mais velha, a quem cabe a tarefa que não entende mas cumpre, de proteger a outra, doze meses menos, doze meses e três semanas menos, instalada dentro da mesma mãe três meses depois de teres saído tu. Nem também me lembro de ter olhado para as grandes com a altivez da vingança consumada, tão ocupada que ficava em secar as lágrimas e o ranho, enquanto encaixava a cabeça da minha filha no lugar. Mas lembro-me claramente do respeito nos olhos delas e, talvez, muito brevemente, feel the fear in my enemies eyes*.

[*Coldplay - Viva La Vida]


17/03/2015

Entendemo-nos tão bem ♥

Ambiente: Música, alto - ponho eu, que me adveio uma surdez das disco-secas que passei na adolescência, e também do que, basicamente, não me interessa ouvir.

Cenário: Eu, numa casa-de-banho; Ela, na outra, que dista escassos metros daquela onde me encontro.

Ela diz: "O meu cabelo está uma bosta".

Eu ouço: "Não imaginas o cheiro desta bosta".

E respondo: "Queres falar sobre cheiros de bostas?" (conforme sabeis, estou sempre disponível ao nível da escatologia, aquela ciência)

Ela, porque me conhece, não estranha. E prossegue: "Está todo colado à cabeça".

Eu ouço: "Boa para atirar à cabeça". 

Eu, porque a conheço, não estranho. E prossigo: "É assim tão grande?"

Só assim se desfaz o nó cego neste diálogo, partilhado, parecendo que não, entre duas pessoas ligadas por laços - de ternura, de umbigo e de sangue.


Isto põe-me nos cascos, que quereis?

Reacções possíveis que pode ter uma pessoa como eu, quando assiste, nunca impávida, jamais serena, à confusão entre o 

e o À 

(esqueçamos, para já - prucósa da carga da nervos que isto até provoca na pessoa como eu - que há ainda quem consiga passar à escrita essa grande pérola do português que é o Á)...


Primeira reacção:


AHHHHHHHHHH



Logo a seguir:


HAHAHAHAHAHAHA